quarta-feira, 14 de agosto de 2013

IDENTIDADE, CULTURA, MEMÓRIA E RESISTÊNCIA PELAS PÁGINAS DO JORNAL 28 DE SETEMBRO EM POUSO ALEGRE/MG

JONATAS ROQUE RIBEIRO
Universidade do Vale do Sapucaí/Pouso Alegre/MG

ELIZABETE MARIA ESPÍNDOLA
Universidade do Vale do Sapucaí/Pouso Alegre/MG; Universidade Federal de Minas Gerais
  

Resumo: O presente artigo buscou analisar os discursos identitários do Jornal O 28 de Setembro, seguindo os procedimentos teórico-metodológicos apontado por Maria do Rosário da Cunha Peixoto e Heloísa de Faria Cruz no artigo “Na Oficina do Historiador: conversas sobre História e Imprensa”. O jornal foi produzido e mantido pelo Clube negro pousoalegrense 28 de Setembro. O Clube, ao longo de sua existência, evidenciou práticas culturais de afirmação e valorização da cultura, da identidade e da memória dos afrodescendentes, e uma destas práticas, foi o jornal O 28 de Setembro, que trazia em suas páginas os discursos e ideologias dos seus representantes, posicionando-se politicamente frente à sociedade pouso-alegrense.


Palavras-Chave: Linguagem. Discurso. Identidade.

O presente artigo tem como proposta analisar os discursos identitários do Jornal O 28 de Setembro, criado pela Diretoria do Clube 28 de Setembro. O Clube foi fundado em 1904 para acolher a comunidade negra local, este também, foi um espaço importante para a manifestação da cultura e da memória afrodescendente na cidade.
Ao se trabalhar com a imprensa, é importante salientar que inicialmente, a imprensa como fonte histórica, não era aceita como documento pela historiografia, por ser considerada fonte suspeita, portanto, deveria ser vista e usada com cautela. “Neste contexto os jornais pareciam pouco adequados para a abordagem recuperação do passado, uma vez que essas ‘enciclopédias do cotidiano’ continham registros fragmentários do presente, realizado sob influxo de interesses, compromissos e paixões” (PINSKY, 2008, p. 112). O uso dos impressos como fontes historiográficas surge com maior frequência a partir da década de 1970, através da História Nova, que coloca no campo historiográfico, novos documentos, como por exemplo, a imprensa.

Gradativamente a imprensa pôde ser tomada como importante fonte, e mesmo como objeto, para se fazer análise de discursos e procurar desnudar o jogo de interesses que regem a sociedade. (...) A variedade de fontes impressas é enorme, e suas possibilidades de pesquisa são amplas e variadas (GUARNIERI E ALVES, 2007).

Segundo Heloísa Cruz e Maria do Rosário, a imprensa é um:

“Manancial fértil para o conhecimento do passado”, “fonte de informação cotidiana”, “material privilegiado para a recuperação dos acontecimentos históricos” são alguns dos qualificativos sobre a utilidade da imprensa para a pesquisa histórica. (...) A imprensa é linguagem constitutiva do social, detém uma historicidade e peculiaridades próprias, e requer ser trabalhada e compreendida como tal, desvendando, a cada momento, as relações imprensa /sociedade, e os movimentos de constituição e instituição do social que esta relação propõe (CRUZ E PEIXOTO, 2007, pp. 256-260).

O uso adequado e cuidadoso de impressos na pesquisa histórica pode contribuir e enriquecer grandemente uma pesquisa. Ao usar destas fontes em nosso trabalho, conseguimos reconstituir, analisar e compreender parte da trajetória das relações sociais e das estratégias de resistência articuladas pelos sujeitos sociais. Sujeitos que frequentavam o Clube na intenção de inserirem-se na globalidade das relações sociais. Sobre os documentos impressos é importante procurar:

Observar o ambiente em que foram produzidos, a que tipo de sociedade está vinculado, quais os valores e circunstâncias da época, em síntese, entendê-lo no seu contexto para evitar um dos piores pecados do historiador: o anacronismo (GUARNIERI E ALVES, 2007).

A documentação impressa usada, neste artigo, foi o jornal: O 28 de Setembro, tal jornal foi publicado em Pouso Alegre entre os anos de 1922 e 1924, e encontra-se arquivado nos acervos do Museu Histórico Municipal de Pouso Alegre. Usamos este jornal, analisando-o, conforme a época e espaço em que foi produzido, como também, por quem foi produzido e a quem se destinava, assim conseguimos visualizar, analisar e compreender parte das relações existentes entre o Clube e a sociedade de Pouso Alegre. Este jornal noticiava as atividades promovidas pelo Clube, como as festividades, as disputas internas, pelas crises financeiras e pela má administração.
Ao longo de sua trajetória o Clube produziu dois pequenos jornais que circularam por pouco tempo, estes representavam um meio de comunicação com seus membros, mas principalmente com a sociedade. O primeiro jornal produzido pelo Clube foi intitulado de A Verdade e circulou nos anos de 1904 e 1905, este período marca os anos iniciais do Clube, infelizmente não encontramos os exemplares deste jornal. Em pesquisa nos memorialistas da cidade encontramos os relatos de Otávio Gouvêa que diz que: “além da finalidade recreativa, o clube também, cuidava da parte cultural, publicando um semanário, ‘A Verdade’ (1904/05)” (Gouvêa, 2004, p. 185) e de Amadeu de Queiróz que relata que o Clube produziu o jornal:

A Verdade – Órgão literário do Clube 28 de Setembro, fundado pelos pretos de Pouso Alegre. Semanário, formato pequeno, 26x16, impresso em seis páginas de duas colunas, publicou-se de 2 de outubro de 1904 à março de 1905. Redator: José Capelache da Silva, gerente: Mirabeau Ludovico (QUEIRÓZ, 1998, p. 92).

De acordo com o memorialista Otávio Gouvêa, o Clube tinha, além das finalidades festivas, as literárias, representada pela produção do jornal A Verdade. O poeta e memorialista Amadeu de Queiróz, afirma que o referido jornal foi feito pelos pretos da cidade. Interessante notar, que o memorialista usa a categoria pretos, o que ainda, remete, a memória da escravidão. O jornal tinha uma função literária, mas tinha, também, uma ação política no sentido de construir uma identidade racial. Ainda de acordo com os relatos, era um jornal de formato pequeno e publicado semanalmente, tinha como redator José Capelache da Silva, que era um comerciante local, e sócio do Clube, e como gerente Mirabeau Ludovico, sobre a história de Mirabeau, sabemos que ele nasceu em Araxá, MG, em fins da década de 1880. Sabe-se pouco sobre sua trajetória, mas, nestas poucas informações consta que este foi criado por uma família de elite daquela cidade. Chegou a Pouso Alegre, no início do século passado, onde foi acolhido pelo bispo D. João Baptista Corrêa Nery, possivelmente, tenha sido indicado para o serviço por alguém próximo ao bispo. Trabalhou durante toda a sua vida no Palácio Episcopal a serviço dos bispos (ARAÚJO, 1997, p. 130).
Sua primeira publicação deu-se logo depois da fundação do Clube, já que este foi fundado em setembro e a primeira edição do jornal saiu em outubro, ambos no ano de 1904. Tal jornal teve a duração de apenas seis meses e o motivo de seu encerramento é desconhecido, pois não há documentação acerca do mesmo. Todavia acreditamos que a curta duração do jornal pode ser atribuída aos custos de sua produção. Não conseguimos ter acesso aos custos que o jornal gerava, nem aos custos da comercialização do jornal, mas sabendo que o Clube era mantido pelas doações e mensalidade dos seus sócios, que em sua maioria, provinham de uma classe pobre, acreditamos que os custos do jornal confrontavam-se com a renda do Clube, ocasionado, assim, no encerramento da elaboração e publicação do mesmo.
O segundo e último jornal produzido pelo Clube, intitulado O 28 de Setembro – Orgam Litterário e noticioso dos homens de côr de Pouso Alegre (Jornal O 28 de Setembro, 1922, p. 1) começou a ser publicado em 1922 e durou até o ano de 1924, como indica Amadeu de Queiróz: “O 28 de Setembro – Órgão literário dos homens de cor de Pouso Alegre. Dirigido por Mirabeau Ludovico e José Capelache, formato 28x20, saiu em 1° de junho de 1922” (QUEIRÓZ, 1998, pp. 98-99).
Tivemos contato com alguns dos exemplares do jornal que, apesar de muito antigos, estão em bom estado de conservação e tivemos acesso aos originais do mesmo.  Encontram-se, no Museu, apenas doze exemplares do jornal, distribuídos entre as edições de junho, setembro e outubro de 1922. O restante dos exemplares, por falta de cuidados e preservação desapareceram, resultando na ocultação parcial da trajetória, das histórias e das memórias acerca do Clube, mas, salientamos, que mesmo, com pouco exemplares, foi possível, fazer uma perspicaz análise dos discursos identitários dos representantes do jornal O 28 de Setembro. Todas as edições analisadas são compostas de cinco páginas, onde se desdobram vários assuntos ligados ao cotidiano do Clube e da cidade de Pouso Alegre.
O jornal O 28 de Setembro foi criado e dirigido pelos principais colaboradores e componentes da diretoria do Clube, os senhores Mirabeau Ludovico como diretor, José Capelache como redator chefe, e como secretário Pedro Ângelo de Oliveira. Através do título do jornal, o Clube tentava criar uma identidade tanto para o Clube, como para o seu jornal, que remete a uma consciência identitária racial percebida através do termo “homem de cor”.
Neste sentido é importante entendermos os sentidos atribuídos pelos afrodescendentes ao termo homens de cor. De acordo com Mariza de Carvalho Soares (SOARES, 2000), até a segunda metade do século XIX, o termo negro ou preto referia-se à condição escrava, atual ou passada (forro). Os pardos eram duplamente qualificados como cativos, forros ou livres. Para os homens livres, o termo pardo era atribuído ao não branco. Na segunda metade do século, entretanto, à referência a cor branca desaparece e o critério cor continuará a ser usado apenas para se referir a um recém liberto, marcando, portanto, a condição cativa do sujeito e sua descendência. A autora ressalta que apesar dos homens de cor não terem passado pelas experiências da escravidão, estes se viam e se aceitavam como negros e tinham orgulho de sua etnia, bem como de suas culturas.
Assim, entendemos que os sujeitos sociais frequentadores do Clube, em sua maioria, eram afrodescendentes e tendo uma consciência identitária de base, também racial, nomeavam seus espaços, práticas e discursos como sendo de homens de cor, pois isto os qualificava como sendo de descendência étnica, racial e culturalmente africanas.
O pequeno jornal era publicado mensalmente, não havendo dia específico para a distribuição do mesmo, constituía-se de quatro a cinco folhas, e sua circulação dava-se de forma interna, entre os seus associados. Entre as suas funções, estava a de anunciar a programação do Clube, comunicar ao público os resultados das eleições de sua diretoria, homenagens e notas curtas com finalidades diversas. Mas acreditamos que sua principal função fosse mostrar voz ativa na sociedade.
Dentre os inúmeros assuntos abordados em sua edição, o mês de maio constituía-se como um período importante para o Clube, pois este era um mês de importantes significados, valores e celebrações para a comunidade negra. Lembrando que em 13 de maio de 1888, a Princesa Isabel, regente política do Brasil assinou a Lei Áurea, abolindo definitivamente o trabalho escravo no país. Porém ressaltamos que embora esta liberdade tenha vindo por mãos brancas, grande parte dos africanos e seus descendentes já viviam em liberdade no Brasil, liberdade esta conquistada com muito esforço, através da compra da própria alforria, a Lei do Ventre Livre e batalhas travadas através de longos processos de liberdade.
Segundo o jornal, as celebrações ao dia 13 eram marcadas por grandes exaltações e festividades feitas pela comunidade negra de Pouso Alegre e de outras comunidades negras vizinhas, como de Santa Rita do Sapucaí e Itajubá, como segue abaixo noticiado:

Recebemos um delicado cartão de convite do Club 13 de Maio de Santa Rita do Sapucahy, para as festas realizadas ali, naquelle dia. Por estarmos também em festa na mesma data, não foi possível, representar a nossa sociedade, naquelle dia. Enviamo-lhes congratulações e pedimos mil desculpas (Jornal O 28 de Setembro, 1922, p. 1).

Para ambas as entidades, o 13 de Maio era uma das datas mais importantes para sua história e memória. Para estes, rememorar a abolição era também rememorar o tempo do cativeiro e a liberdade, bem como a memória daqueles que nasceram e morreram neste. Nota-se, também, no noticiário, as relações de sociabilidade construídas entre o Clube 28 de Setembro e os clubes negros da região. Isso nos mostra as tentativas empreendidas pela comunidade negra, freqüentadora destes Clubes, de manterem vivas as suas identidades, culturas e memória, resistindo aos preconceitos, à discriminação e a marginalização social e cultural.
Na mesma edição deste jornal, encontramos a notícia sobre as comemorações do dia 13 de maio feitas pelo Clube 28 de Setembro:

Realizou se no dia 13 de Maio, solemnes festas em homenagem a gloriosa data.
A’s 5 horas da madrugada alvorada pela corporação Lira do Rosário. Houve na Cathedral missa com cantigos.
A’s 17 horas foi recebida na gare da Sul Mineira a sympathica Sociedade 13 de Maio de Itajubá.
A’s 9 horas da noite no vasto salão do Iris Cinema, imponente Sessão Solemne, presidida pelo sr. João Thigorio, digno presidente da Sociedade 13 de Maio de Itajubá, que deu em seguida, a palavra ao sr. Dr. João Miguel, digno orador oficial daquella sociedade, que saudou o Club 28 de Setembro. Em seguida fallou o sr. Jose Capelache, orador official do Clube 28 de Setembro. Logo em seguida falaram os srs. Elizeu Camargo pela data, em substancioso discurso, representado O Imparcial, e o sr. Alfredo Agueda, pela palavra concedida pelo Club.
Fallou ultimamente, o sr. Mirabeau Ludovico, saudando o Club 13 de Maio Itajubense, em nome da nossa associação 28 de Setembro.
Poesias recitadas pelas meninas Apparecida Xavier, Maria Capelache e Lourdes de Oliveira, que ao terminar offereceu um lindo ramalhete de flores a sociedade 13 de Maio de Itajubá. Ao encerrar a sessão, foi um grupo de meninas e senhorinhas cantando o hymno de nossa casa e idolatrada Patria (Jornal O 28 de Setembro, 1922, p. 3).

As comemorações em louvor ao dia 13 de maio consistiam em variadas atividades que movimentavam a comunidade negra da cidade de Pouso Alegre. As solenidades se iniciavam ao amanhecer com uma alvorada feita pela Lira do Rosário, seguida de uma missa na catedral do Bom Jesus. Percebemos, aqui, por um momento do ano, há uma proximidade entre os negros da cidade e a população branca que também frequentava a catedral, é um momento de afirmação da memória e da cultura africana na cidade. 
Após as comemorações religiosas, havia a recepção, na estação da Rede Mineira de Viação, localizada no início da Avenida Dr. Lisboa, um dos principais logradouros da cidade, dos associados do Clube 13 de Maio da cidade de Itajubá. Durante a noite era realizado no salão do Iris Cinema, uma sessão rodeada de discursos proclamados por diferentes sujeitos sociais associados e não associados aos Clubes, declamações de poemas, congratulações e o canto do hino do Clube e do hino nacional. Em muitas destas festas, houve a participação de autoridades locais, como juízes, políticos, jornalistas, entre outros.
As comemorações invadiam os espaços da cidade, não ficando reclusa ao apenas ao Clube, ela penetrava em espaços importantes da cidade naquele momento, como a catedral, a estação ferroviária e o prédio do Iris Cinema que situava-se na Praça Senador José Bento, principais redutos sociais da cidade. Percebemos também que havia convidados especiais, como o representante do jornal O Imparcial, um influente jornalista da cidade. Acreditamos que sua presença na festa, era um sinal de que ele prestigiava as comemorações do Clube, e também, que o Clube mantinha relações sociais em vários setores da sociedade local. A comemoração ao dia 13 era um momento em que os negros dominavam parte da cidade e faziam dela palco para as suas manifestações culturais e exaltação das suas memórias e trajetórias, porém ressaltamos, que a ideia de “guetos” negros e brancos não se sustentam, os negros circulam pela cidade e interagem com ela, mas há limites para suas ações, e, cabe a nós, historiadores, percebermos as formas improvisadas, as táticas e as estratégias articuladas por estes para vivenciarem nestas relações, e como vimos, a festa do dia 13 de maio, era uma destas formas.
A articulação entre os Clubes negros revela também a existência de uma identidade racial e de um posicionamento político, fato este confirmado em outra nota publicada na mesma edição do jornal:

Vindos de Itajubá, recebemos uma honrosa visita da diretoria do Club 13 de Maio composta dos distinctos senhores: Dr. João Miguel da Silva, João Tigório Pereira, João José de Abreu, José Camillo, Izaltino Prestes e Damião Beraldo. De Santa Rita do Sapucahy, o Sr. Rosalino Máximo e sua esposa Sra D. Maria Máximo. Muito Gratos (Jornal O 28 de Setembro, 1922, p. 2).

O jornal trazia ainda, em relação ao mês de maio, um conteúdo repleto de valores morais e religiosos, dando vivas a este e articulando-o à imagem de Maria. A coluna Recordações do mês de maio traz a seguinte nota:

Santo mez, este por sem dúvida de tantas caridades que une no mesmo pensamento, no mesmo coração, na communicação dos bens espirituaes, os fervorosos Christãos (...) Como é consolador e edificante ver aos pés da Mãe de Misericordia  - Mater Misericordiae, prostrados todos os que têm mágoas e afflições! Que confiança ella inspira! Quanto conforto inspira! Oh quanta alegria nos innunda a alma! (Jornal O 28 de Setembro, 1922, p. 1).

A comunidade negra pouso-alegrense, no mês de maio dedicava-se não somente às comemorações do dia 13, como também se dedicava às ações e reflexões materiais e espirituais religiosas.
O conteúdo do jornal também era constituído de poesias diversas de autoria dos dirigentes do jornal, notas de aniversários, de falecimento, da chegada e saída de pessoas da cidade, das festividades ocorridas na cidade, de agradecimentos e congratulações, além de poucas propagandas publicitárias. O que possivelmente contribuiu para o encerramento do jornal, pois como sabemos, as propagandas publicitárias constituem-se em um significativo orçamento para a manutenção de um meio impresso.
O encerramento da circulação do jornal ocorreu por dificuldades financeiras. Além do 28 de Setembro, outros jornais também tiveram vida curta na pequena esfera pública burguesa de Pouso Alegre, na qual o abrir e fechar dos jornais era uma constante. 
É importante salientar que mesmo tendo circulado por pouco tempo, e termos tido acesso a uma pequena parte restante dos exemplares do jornal O 28 de Setembro, este foi uma importante fonte e fio condutor que nos possibilitou uma releitura mesmo que parcialmente, das histórias, das memórias, da trajetória e das relações que este Clube construiu com a cidade. Nesta direção, as palavras de Heloísa de Faria Cruz nos contribuem, pois segundo ela: 
Com relação aos sentidos da difusão da imprensa (...), vale ressaltar que, embora a maioria dessas folhas e revistas não tenha adquirido uma forma estável e permanente, foi através delas que os novos conteúdos da vida e das disputas culturais da cidade penetraram mais fortemente o campo da cultura (CRUZ, 2000, p. 148).

O Clube ao criar o seu jornal, construiu uma via de comunicação com a sociedade. Através do jornal as pessoas tinham contato com os ideais e valores propagados por este, desta forma, inseria-se e se fazia presente nas relações sociais existentes na cidade. Heloísa de Faria Cruz fomenta esta discussão, ao explicar que:

Outros periódicos menos chics, por vezes mais singelos, outros mais críticos, referindo-se a bailes em associações recreativas (...) festivais, aos grupos de música e de teatro das fábricas e dos bairros, aos times de várzea, (...) mostrando a disseminação de novas formas de vivência e de pleitos sobre a cidade para além dos círculos das elites, articulam como personagens e leitores potenciais as camadas populares e da população (CRUZ, 2000, p. 143).

A autora afirma que além dos jornais produzidos pela elite, existiam outros jornais, ditos menos “chics”, feitos pela e para a classe pobre que expressavam em seus conteúdos os mais variados assuntos relacionados aos seus cotidianos. Muitos destes jornais traziam para a esfera da literatura jornalística, para os outros grupos sociais e para os espaços da cidade, as suas formas de viver, bem como suas ideologias e valores. Beatriz Sarlo assegura que:

(...) olhar politicamente é pôr as dissidências no centro do foco, o traço oposicionista da arte frente aos discursos (a ideologia, a moral, a estética) estabelecidos. Um olhar político aguça a percepção das diferenças como qualidades alternativas frente às linhas respaldadas pela tradição estética (SARLO, 2005, p. 60).

Neste sentido, percebemos que o Clube ao criar o seu jornal e ao evidenciar em suas páginas, suas práticas culturais, seus valores, costumes e memória, posicionava-se politicamente frente à sociedade. Sua ação buscava romper com a cultura hegemônica, resistindo como cultura subalterna e excluída. O veículo de ligação destas relações e discursos entre a sociedade pouso-alegrense e o Clube foi o jornal O 28 de Setembro.
Assim, este jornal representava a voz dos excluídos e esquecidos da sociedade de Pouso Alegre, que enxergavam neste impresso produzido por um clube de negros, de pobres e de operários, as suas ideologias e valores inscritos nas poucas folhas do jornal e inserindo-se nos espaços e no cotidiano da cidade.

Referências Bibliográficas

CRUZ, Heloísa de Faria; PEIXOTO, Maria do Rosário da Cunha. Na Oficina do Historiador: Conversas sobre História e Imprensa. In: Revista Projeto História, n°. 35. São Paulo: EDUC, 2007.

                                      . São Paulo em papel e tinta: periodismo e vida urbana- 1890-1915. São Paulo: Edusc/Fapesp, 2000.

GUARNIERI, Ivanor Luiz. ALVES, Fábio Lopes. Imagens do cotidiano e temporalidades: historiografia e imprensa. Porto Velho. Labirinto - Revista Eletrônica do Centro de Estudos do Imaginário. 2007. Disponível em: http://www.cei.unir.br/artigo104.html. Acesso em 28/05/2012.

PINSKY, Carla Bassanezi (org.) Fontes Históricas. 2° ed. 1° reimpressão. São Paulo: Contexto, 2008.

SARLO, Beatriz. Paisagens Imaginárias. 1° ed. 1° reimpr. São Paulo: Edusp, 2005.


SOARES, Mariza de Carvalho. Devotos da cor. Identidade étnica, religiosidade e escravidão no Rio de Janeiro, século XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.