IDENTIDADE, CULTURA, MEMÓRIA E RESISTÊNCIA PELAS PÁGINAS DO JORNAL 28 DE
SETEMBRO EM POUSO ALEGRE/MG
JONATAS
ROQUE RIBEIRO
Universidade do
Vale do Sapucaí/Pouso Alegre/MG
ELIZABETE
MARIA ESPÍNDOLA
Universidade do
Vale do Sapucaí/Pouso Alegre/MG; Universidade Federal de Minas Gerais
Resumo:
O presente artigo buscou analisar os discursos identitários do Jornal O 28 de
Setembro, seguindo os procedimentos teórico-metodológicos apontado por Maria do
Rosário da Cunha Peixoto e Heloísa de Faria Cruz no artigo “Na Oficina do
Historiador: conversas sobre História e Imprensa”. O jornal foi produzido e
mantido pelo Clube negro pousoalegrense 28 de Setembro. O Clube, ao longo de
sua existência, evidenciou práticas culturais de afirmação e valorização da
cultura, da identidade e da memória dos afrodescendentes, e uma destas
práticas, foi o jornal O 28 de Setembro, que trazia em suas páginas os discursos
e ideologias dos seus representantes, posicionando-se politicamente frente à
sociedade pouso-alegrense.
Palavras-Chave:
Linguagem. Discurso. Identidade.
O presente artigo tem como proposta
analisar os discursos identitários do Jornal O 28 de Setembro, criado pela Diretoria do Clube 28 de Setembro. O
Clube foi fundado em 1904 para acolher a comunidade negra local, este também,
foi um espaço importante para a manifestação da cultura e da memória
afrodescendente na cidade.
Ao se trabalhar com a imprensa, é
importante salientar que inicialmente, a imprensa como fonte histórica, não era
aceita como documento pela historiografia, por ser considerada fonte suspeita,
portanto, deveria ser vista e usada com cautela. “Neste contexto os jornais
pareciam pouco adequados para a abordagem recuperação do passado, uma vez que
essas ‘enciclopédias do cotidiano’ continham registros fragmentários do
presente, realizado sob influxo de interesses, compromissos e paixões” (PINSKY,
2008, p. 112). O uso dos impressos como fontes historiográficas surge com maior
frequência a partir da década de 1970, através da História Nova, que coloca no
campo historiográfico, novos documentos, como por exemplo, a imprensa.
Gradativamente a
imprensa pôde ser tomada como importante fonte, e mesmo como objeto, para se
fazer análise de discursos e procurar desnudar o
jogo de interesses que regem a sociedade. (...) A variedade de fontes impressas
é enorme, e suas possibilidades de pesquisa são amplas e variadas (GUARNIERI E
ALVES, 2007).
Segundo
Heloísa Cruz e Maria do Rosário, a imprensa é um:
“Manancial
fértil para o conhecimento do passado”, “fonte de informação cotidiana”,
“material privilegiado para a recuperação dos acontecimentos históricos” são
alguns dos qualificativos sobre a utilidade da imprensa para a pesquisa
histórica. (...) A imprensa é linguagem constitutiva do social, detém uma
historicidade e peculiaridades próprias, e requer ser trabalhada e compreendida
como tal, desvendando, a cada momento, as relações imprensa /sociedade, e os
movimentos de constituição e instituição do social que esta relação propõe
(CRUZ E PEIXOTO, 2007, pp. 256-260).
O uso adequado e cuidadoso de impressos
na pesquisa histórica pode contribuir e enriquecer grandemente uma pesquisa. Ao
usar destas fontes em nosso trabalho, conseguimos reconstituir, analisar e
compreender parte da trajetória das relações sociais e das estratégias de
resistência articuladas pelos sujeitos sociais. Sujeitos que frequentavam o
Clube na intenção de inserirem-se na globalidade das relações sociais. Sobre os
documentos impressos é importante procurar:
Observar o
ambiente em que foram produzidos, a que tipo de sociedade está vinculado, quais
os valores e circunstâncias da época, em síntese, entendê-lo no seu contexto para
evitar um dos piores pecados do historiador: o anacronismo (GUARNIERI E ALVES,
2007).
A documentação impressa usada, neste
artigo, foi o jornal: O 28 de Setembro,
tal jornal foi publicado em Pouso Alegre entre os anos de 1922 e 1924, e
encontra-se arquivado nos acervos do Museu Histórico Municipal de Pouso Alegre.
Usamos este jornal, analisando-o, conforme a época e espaço em que foi
produzido, como também, por quem foi produzido e a quem se destinava, assim
conseguimos visualizar, analisar e compreender parte das relações existentes
entre o Clube e a sociedade de Pouso Alegre. Este jornal noticiava as
atividades promovidas pelo Clube, como as festividades, as disputas internas,
pelas crises financeiras e pela má administração.
Ao longo de sua trajetória o Clube
produziu dois pequenos jornais que circularam por pouco tempo, estes
representavam um meio de comunicação com seus membros, mas principalmente com a
sociedade. O primeiro jornal produzido pelo Clube foi intitulado de A Verdade e circulou nos anos de 1904 e
1905, este período marca os anos iniciais do Clube, infelizmente não
encontramos os exemplares deste jornal. Em pesquisa nos memorialistas da cidade
encontramos os relatos de Otávio Gouvêa que diz que: “além da finalidade
recreativa, o clube também, cuidava da parte cultural, publicando um semanário,
‘A Verdade’ (1904/05)” (Gouvêa, 2004, p. 185) e de Amadeu de Queiróz que relata
que o Clube produziu o jornal:
A Verdade –
Órgão literário do Clube 28 de Setembro, fundado pelos pretos de Pouso Alegre.
Semanário, formato pequeno, 26x16, impresso em seis páginas de duas colunas,
publicou-se de 2 de outubro de 1904 à março de 1905. Redator: José Capelache da
Silva, gerente: Mirabeau Ludovico (QUEIRÓZ, 1998, p. 92).
De acordo com o memorialista Otávio
Gouvêa, o Clube tinha, além das finalidades festivas, as literárias,
representada pela produção do jornal A
Verdade. O poeta e memorialista Amadeu de Queiróz, afirma que o referido
jornal foi feito pelos pretos da cidade. Interessante notar, que o memorialista usa a categoria pretos, o que ainda, remete, a
memória da escravidão. O jornal tinha uma função literária, mas tinha, também,
uma ação política no sentido de construir uma identidade racial. Ainda de
acordo com os relatos, era um jornal de formato pequeno e publicado
semanalmente, tinha como redator José Capelache da Silva, que era um
comerciante local, e sócio do Clube, e como gerente Mirabeau Ludovico, sobre a
história de Mirabeau, sabemos que ele nasceu em Araxá, MG, em fins da década de
1880. Sabe-se pouco sobre sua trajetória, mas, nestas poucas informações consta
que este foi criado por uma família de elite daquela cidade. Chegou a Pouso
Alegre, no início do século passado, onde foi acolhido pelo bispo D. João
Baptista Corrêa Nery, possivelmente, tenha sido indicado para o serviço por
alguém próximo ao bispo. Trabalhou durante toda a sua vida no Palácio Episcopal
a serviço dos bispos (ARAÚJO, 1997, p. 130).
Sua primeira publicação deu-se logo
depois da fundação do Clube, já que este foi fundado em setembro e a primeira
edição do jornal saiu em outubro, ambos no ano de 1904. Tal jornal teve a
duração de apenas seis meses e o motivo de seu encerramento é desconhecido,
pois não há documentação acerca do mesmo. Todavia acreditamos que a curta duração
do jornal pode ser atribuída aos custos de sua produção. Não conseguimos ter
acesso aos custos que o jornal gerava, nem aos custos da comercialização do
jornal, mas sabendo que o Clube era mantido pelas doações e mensalidade dos
seus sócios, que em sua maioria, provinham de uma classe pobre, acreditamos que
os custos do jornal confrontavam-se com a renda do Clube, ocasionado, assim, no
encerramento da elaboração e publicação do mesmo.
O segundo e último jornal produzido pelo
Clube, intitulado O 28 de Setembro – Orgam Litterário e noticioso dos homens de
côr de Pouso Alegre (Jornal O 28 de Setembro, 1922, p. 1) começou a ser
publicado em 1922 e durou até o ano de 1924, como indica Amadeu de Queiróz: “O
28 de Setembro – Órgão literário dos homens de cor de Pouso Alegre. Dirigido
por Mirabeau Ludovico e José Capelache, formato 28x20, saiu em 1° de junho de
1922” (QUEIRÓZ, 1998, pp. 98-99).
Tivemos contato com alguns dos
exemplares do jornal que, apesar de muito antigos, estão em bom estado de
conservação e tivemos acesso aos originais do mesmo. Encontram-se, no Museu, apenas doze
exemplares do jornal, distribuídos entre as edições de junho, setembro e
outubro de 1922. O restante dos exemplares, por falta de cuidados e preservação
desapareceram, resultando na ocultação parcial da trajetória, das histórias e
das memórias acerca do Clube, mas, salientamos, que mesmo, com pouco
exemplares, foi possível, fazer uma perspicaz análise dos discursos
identitários dos representantes do jornal O 28 de Setembro. Todas as edições
analisadas são compostas de cinco páginas, onde se desdobram vários assuntos
ligados ao cotidiano do Clube e da cidade de Pouso Alegre.
O jornal O 28 de Setembro foi criado e
dirigido pelos principais colaboradores e componentes da diretoria do Clube, os
senhores Mirabeau Ludovico como diretor, José Capelache como redator chefe, e
como secretário Pedro Ângelo de Oliveira. Através do título do jornal, o Clube
tentava criar uma identidade tanto para o Clube, como para o seu jornal, que
remete a uma consciência identitária racial percebida através do termo “homem
de cor”.
Neste sentido é importante entendermos
os sentidos atribuídos pelos afrodescendentes ao termo homens de cor. De acordo
com Mariza de Carvalho Soares (SOARES, 2000), até a segunda metade do século
XIX, o termo negro ou preto referia-se à condição escrava, atual ou passada
(forro). Os pardos eram duplamente qualificados como cativos, forros ou livres.
Para os homens livres, o termo pardo era atribuído ao não branco. Na segunda
metade do século, entretanto, à referência a cor branca desaparece e o critério
cor continuará a ser usado apenas para se referir a um recém liberto, marcando,
portanto, a condição cativa do sujeito e sua descendência. A autora ressalta
que apesar dos homens de cor não terem passado pelas experiências da
escravidão, estes se viam e se aceitavam como negros e tinham orgulho de sua
etnia, bem como de suas culturas.
Assim, entendemos que os sujeitos
sociais frequentadores do Clube, em sua maioria, eram afrodescendentes e tendo
uma consciência identitária de base, também racial, nomeavam seus espaços,
práticas e discursos como sendo de homens de cor, pois isto os qualificava como
sendo de descendência étnica, racial e culturalmente africanas.
O pequeno jornal era publicado
mensalmente, não havendo dia específico para a distribuição do mesmo,
constituía-se de quatro a cinco folhas, e sua circulação dava-se de forma
interna, entre os seus associados. Entre as suas funções, estava a de anunciar
a programação do Clube, comunicar ao público os resultados das eleições de sua
diretoria, homenagens e notas curtas com finalidades diversas. Mas acreditamos
que sua principal função fosse mostrar voz ativa na sociedade.
Dentre os inúmeros assuntos abordados em
sua edição, o mês de maio constituía-se como um período importante para o
Clube, pois este era um mês de importantes significados, valores e celebrações
para a comunidade negra. Lembrando que em 13 de maio de 1888, a Princesa
Isabel, regente política do Brasil assinou a Lei Áurea, abolindo
definitivamente o trabalho escravo no país. Porém ressaltamos que embora esta
liberdade tenha vindo por mãos brancas, grande parte dos africanos e seus
descendentes já viviam em liberdade no Brasil, liberdade esta conquistada com
muito esforço, através da compra da própria alforria, a Lei do Ventre Livre e
batalhas travadas através de longos processos de liberdade.
Segundo o jornal, as celebrações ao dia
13 eram marcadas por grandes exaltações e festividades feitas pela comunidade
negra de Pouso Alegre e de outras comunidades negras vizinhas, como de Santa
Rita do Sapucaí e Itajubá, como segue abaixo noticiado:
Recebemos um
delicado cartão de convite do Club 13 de Maio de Santa Rita do Sapucahy, para
as festas realizadas ali, naquelle dia. Por estarmos também em festa na mesma
data, não foi possível, representar a nossa sociedade, naquelle dia.
Enviamo-lhes congratulações e pedimos mil desculpas (Jornal O 28 de Setembro,
1922, p. 1).
Para ambas as entidades, o 13 de Maio
era uma das datas mais importantes para sua história e memória. Para estes,
rememorar a abolição era também rememorar o tempo do cativeiro e a liberdade,
bem como a memória daqueles que nasceram e morreram neste. Nota-se, também, no
noticiário, as relações de sociabilidade construídas entre o Clube 28 de
Setembro e os clubes negros da região. Isso nos mostra as tentativas
empreendidas pela comunidade negra, freqüentadora destes Clubes, de manterem
vivas as suas identidades, culturas e memória, resistindo aos preconceitos, à
discriminação
e
a marginalização social e cultural.
Na mesma edição deste jornal,
encontramos a notícia sobre as comemorações do dia 13 de maio feitas pelo Clube
28 de Setembro:
Realizou
se no dia 13 de Maio, solemnes festas em homenagem a gloriosa data.
A’s
5 horas da madrugada alvorada pela corporação Lira do Rosário. Houve na
Cathedral missa com cantigos.
A’s
17 horas foi recebida na gare da Sul Mineira a sympathica Sociedade 13 de Maio
de Itajubá.
A’s
9 horas da noite no vasto salão do Iris Cinema, imponente Sessão Solemne,
presidida pelo sr. João Thigorio, digno presidente da Sociedade 13 de Maio de
Itajubá, que deu em seguida, a palavra ao sr. Dr. João Miguel, digno orador
oficial daquella sociedade, que saudou o Club 28 de Setembro. Em seguida fallou
o sr. Jose Capelache, orador official do Clube 28 de Setembro. Logo em seguida
falaram os srs. Elizeu Camargo pela data, em substancioso discurso,
representado O Imparcial, e o sr. Alfredo Agueda, pela palavra concedida pelo
Club.
Fallou
ultimamente, o sr. Mirabeau Ludovico, saudando o Club 13 de Maio Itajubense, em
nome da nossa associação 28 de Setembro.
Poesias
recitadas pelas meninas Apparecida Xavier, Maria Capelache e Lourdes de
Oliveira, que ao terminar offereceu um lindo ramalhete de flores a sociedade 13
de Maio de Itajubá. Ao encerrar a sessão, foi um grupo de meninas e senhorinhas
cantando o hymno de nossa casa e idolatrada Patria (Jornal O 28 de Setembro,
1922, p. 3).
As comemorações em louvor ao dia 13 de
maio consistiam em variadas atividades que movimentavam a comunidade negra da
cidade de Pouso Alegre. As solenidades se iniciavam ao amanhecer com uma
alvorada feita pela Lira do Rosário, seguida de uma missa na catedral do Bom
Jesus. Percebemos, aqui, por um momento do ano, há uma proximidade entre os
negros da cidade e a população branca que também frequentava a catedral, é um
momento de afirmação da memória e da cultura africana na cidade.
Após as comemorações religiosas, havia a
recepção, na estação da Rede Mineira de Viação, localizada no início da Avenida
Dr. Lisboa, um dos principais logradouros da cidade, dos associados do Clube 13
de Maio da cidade de Itajubá. Durante a noite era realizado no salão do Iris
Cinema, uma sessão rodeada de discursos proclamados por diferentes sujeitos
sociais associados e não associados aos Clubes, declamações de poemas,
congratulações e o canto do hino do Clube e do hino nacional. Em muitas destas
festas, houve a participação de autoridades locais, como juízes, políticos,
jornalistas, entre outros.
As comemorações invadiam os espaços da
cidade, não ficando reclusa ao apenas ao Clube, ela penetrava em espaços
importantes da cidade naquele momento, como a catedral, a estação ferroviária e
o prédio do Iris Cinema que situava-se na Praça Senador José Bento, principais
redutos sociais da cidade. Percebemos também que havia convidados especiais,
como o representante do jornal O Imparcial, um influente jornalista da cidade.
Acreditamos que sua presença na festa, era um sinal de que ele prestigiava as
comemorações do Clube, e também, que o Clube mantinha relações sociais em
vários setores da sociedade local. A comemoração ao dia 13 era um momento em
que os negros dominavam parte da cidade e faziam dela palco para as suas
manifestações culturais e exaltação das suas memórias e trajetórias, porém
ressaltamos, que a ideia de “guetos” negros e brancos não se sustentam, os
negros circulam pela cidade e interagem com ela, mas há limites para suas
ações, e, cabe a nós, historiadores, percebermos as formas improvisadas, as
táticas e as estratégias articuladas por estes para vivenciarem nestas
relações, e como vimos, a festa do dia 13 de maio, era uma destas formas.
A articulação entre os Clubes negros
revela também a existência de uma identidade racial e de um posicionamento
político, fato este confirmado em outra nota publicada na mesma edição do
jornal:
Vindos de
Itajubá, recebemos uma honrosa visita da diretoria do Club 13 de Maio composta
dos distinctos senhores: Dr. João Miguel da Silva, João Tigório Pereira, João José
de Abreu, José Camillo, Izaltino Prestes e Damião Beraldo. De Santa Rita do
Sapucahy, o Sr. Rosalino Máximo e sua esposa Sra D. Maria Máximo. Muito Gratos
(Jornal O 28 de Setembro, 1922, p. 2).
O jornal trazia ainda, em relação ao mês
de maio, um conteúdo repleto de valores morais e religiosos, dando vivas a este
e articulando-o à imagem de Maria. A coluna Recordações do mês de maio traz a
seguinte nota:
Santo mez, este
por sem dúvida de tantas caridades que une no mesmo pensamento, no mesmo coração,
na communicação dos bens espirituaes, os fervorosos Christãos (...) Como é
consolador e edificante ver aos pés da Mãe de Misericordia - Mater Misericordiae, prostrados todos os
que têm mágoas e afflições! Que confiança ella inspira! Quanto conforto inspira!
Oh quanta alegria nos innunda a alma! (Jornal O 28 de Setembro, 1922, p. 1).
A comunidade negra pouso-alegrense, no
mês de maio dedicava-se não somente às comemorações do dia 13, como também se
dedicava às ações e reflexões materiais e espirituais religiosas.
O conteúdo do jornal também era
constituído de poesias diversas de autoria dos dirigentes do jornal, notas de
aniversários, de falecimento, da chegada e saída de pessoas da cidade, das
festividades ocorridas na cidade, de agradecimentos e congratulações, além de
poucas propagandas publicitárias. O que possivelmente contribuiu para o
encerramento do jornal, pois como sabemos, as propagandas publicitárias
constituem-se em um significativo orçamento para a manutenção de um meio
impresso.
O encerramento da circulação do jornal
ocorreu por dificuldades financeiras. Além do 28 de Setembro, outros jornais
também tiveram vida curta na pequena esfera pública burguesa de Pouso Alegre,
na qual o abrir e fechar dos jornais era uma constante.
É importante salientar que mesmo tendo
circulado por pouco tempo, e termos tido acesso a uma pequena parte restante
dos exemplares do jornal O 28 de
Setembro, este foi uma importante fonte e fio condutor que nos possibilitou
uma releitura mesmo que parcialmente, das histórias, das memórias, da
trajetória e das relações que este Clube construiu com a cidade. Nesta direção,
as palavras de Heloísa de Faria Cruz nos contribuem, pois segundo ela:
Com relação aos
sentidos da difusão da imprensa (...), vale ressaltar que, embora a maioria
dessas folhas e revistas não tenha adquirido uma forma estável e permanente,
foi através delas que os novos conteúdos da vida e das disputas culturais da
cidade penetraram mais fortemente o campo da cultura (CRUZ, 2000, p. 148).
O Clube ao criar o seu jornal, construiu
uma via de comunicação com a sociedade. Através do jornal as pessoas tinham
contato com os ideais e valores propagados por este, desta forma, inseria-se e
se fazia presente nas relações sociais existentes na cidade. Heloísa de Faria
Cruz fomenta esta discussão, ao explicar que:
Outros
periódicos menos chics, por vezes
mais singelos, outros mais críticos, referindo-se a bailes em associações
recreativas (...) festivais, aos grupos de música e de teatro das fábricas e
dos bairros, aos times de várzea, (...) mostrando a disseminação de novas
formas de vivência e de pleitos sobre a cidade para além dos círculos das
elites, articulam como personagens e leitores potenciais as camadas populares e
da população (CRUZ, 2000, p. 143).
A autora afirma que além dos jornais
produzidos pela elite, existiam outros jornais, ditos menos “chics”, feitos
pela e para a classe pobre que expressavam em seus conteúdos os mais variados
assuntos relacionados aos seus cotidianos. Muitos destes jornais traziam para a
esfera da literatura jornalística, para os outros grupos sociais e para os
espaços da cidade, as suas formas de viver, bem como suas ideologias e valores.
Beatriz Sarlo assegura que:
(...) olhar
politicamente é pôr as dissidências no centro do foco, o traço oposicionista da
arte frente aos discursos (a ideologia, a moral, a estética) estabelecidos. Um
olhar político aguça a percepção das diferenças como qualidades alternativas
frente às linhas respaldadas pela tradição estética (SARLO, 2005, p. 60).
Neste sentido, percebemos que o Clube ao
criar o seu jornal e ao evidenciar em suas páginas, suas práticas culturais,
seus valores, costumes e memória, posicionava-se politicamente frente à
sociedade. Sua ação buscava romper com a cultura hegemônica, resistindo como
cultura subalterna e excluída. O veículo de ligação destas relações e discursos
entre a sociedade pouso-alegrense e o Clube foi o jornal O 28 de Setembro.
Assim, este jornal representava a voz
dos excluídos e esquecidos da sociedade de Pouso Alegre, que enxergavam neste
impresso produzido por um clube de negros, de pobres e de operários, as suas
ideologias e valores inscritos nas poucas folhas do jornal e inserindo-se nos
espaços e no cotidiano da cidade.
Referências
Bibliográficas
CRUZ,
Heloísa de Faria; PEIXOTO, Maria do Rosário da Cunha. Na Oficina do
Historiador: Conversas sobre História e Imprensa. In: Revista Projeto História, n°. 35.
São Paulo: EDUC, 2007.
. São Paulo em papel e tinta: periodismo
e vida urbana- 1890-1915. São Paulo: Edusc/Fapesp, 2000.
GUARNIERI,
Ivanor Luiz. ALVES, Fábio Lopes. Imagens do cotidiano e temporalidades:
historiografia e imprensa. Porto
Velho. Labirinto - Revista Eletrônica do Centro de Estudos do Imaginário. 2007.
Disponível em: http://www.cei.unir.br/artigo104.html.
Acesso em 28/05/2012.
PINSKY,
Carla Bassanezi (org.) Fontes Históricas. 2° ed. 1° reimpressão. São Paulo:
Contexto, 2008.
SARLO,
Beatriz. Paisagens Imaginárias. 1° ed. 1° reimpr. São Paulo: Edusp,
2005.
SOARES,
Mariza de Carvalho. Devotos da cor.
Identidade étnica, religiosidade e escravidão no Rio de Janeiro, século XVIII.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.