domingo, 30 de outubro de 2011

Zoom semiótico nas capas da revista Veja nas eleições presidenciais de 2002

Ana Eugênia Nunes de Andrade

Este trabalho tem por objetivo central analisar as capas da revista Veja durante as eleições presidenciais de 2002 trazendo temas polêmicos do cenário político nacional e compreendendo através dos signos a relação do verbal e do não-verbal, que possibilitam infindáveis leituras nas diferentes linguagens.

Na relação triádica signo, objeto e interpretante podemos compreender o mundo como linguagem para isso recorreremos às três categorias fundantes da semiótica de Peirce: primeiridade, secundidade e terceiridade na análise das capas da Revista Veja durante as eleições presidenciais de 2002. Pierce define signo como:

Um signo ou represêntamen é um primeiro que se coloca numa relação triádica genuína tal como um segundo, denominado seu objeto, que é capaz de determinar um terceiro, denominado interpretante, que assume a mesma relação triádica com seu objeto na qual ele próprio está em relação com o mesmo objeto[i] (Peirce, 1977.p. 63).

A linguagem da fotografia apresenta-se como uma trama sígnica. Ancorada na secundidade o referencial é visível de tal modo que parece ser real, a fotografia é um exemplo de um signo da secundidade, enquanto forma visual que insiste, resiste, ela pode cambiar entre primeiridade que se refere aos elementos básicos e essenciais como cores, formas, volume, textura e na categoria terceiridade que está representado naquilo que não está visível, mas que está sujeito a interpretações.

Para Santaella o interpretante “é o efeito provocado numa mente e nele se completa a operação do signo. Nenhum signo fala por mesmo, mas exclusivamente outro signo. Assim sendo, não há nenhum modo de se entender o signo, a não ser pelo seu interpretante[ii]”. (Santaella, 1995, p.88).           

Nas eleições presidenciais de 2002 ocorrem deslizamentos de sentidos no campo publicitário, o slogan Lula Lá usado em 1989 dá lugar ao Lula Paz e Amor. Para Barthes (1969:7-8), toda imagem é polissêmica por implicar uma “cadeia flutuante” de significados subjacente a seus significantes, podendo o receptor/leitor escolher alguns significados em detrimento de outros. A mensagem lingüística é uma dessas maneiras de se pinçar significados dessa cadeia flutuante: “o texto dirige o leitor através do significado da imagem e o leva a considerar alguns deles e a deixar de lado outros. (...) A imagem dirige o leitor a um significado escolhido antecipadamente[iii]” (apud Santaella & Nöth 1998: 55). A essa função de dirigir ou orientar o leitor na escolha de significados, Barthes dá o nome de ancoragem. Em todos os casos de ancoragem, avisa o autor, a linguagem verbal tem função de elucidar, mas essa elucidação é seletiva e, portanto, ideológica.

A imagem do ex-metalúrgico que em disputas anteriores parafraseava o pensamento do operariado brasileiro com a assertiva Trabalhador vota em trabalhador foi intencionalmente alterada com o intuito de vencer o medo do eleitorado. O Partido dos Trabalhadores recorre ao publicitário Duda Mendonça para potencializar o marketing político que busca uma estratégia de política moderada desconstruindo a imagem de um partido político dogmático, radical e intransigente, com isso as alas mais radicais desligam-se do partido. Na capa da Revista Veja de 04/07/2001 podemos perceber a reconstrução da imagem do candidato Lula que aparece como um político sério, humano e sensível, a cor terra como plano de fundo da imagem nos remete a realidade, aos pés no chão. Os tons escuros da roupa, a barba aparada, o olhar sereno do candidato reforçam a ideia de seriedade. A manchete da capa Lula Light reforça as mudanças do líder petista. Em contrapartida, na chamada da capa: “Na tentativa de parecer simpático e escapar da quarta derrota, o candidato do PT fala agora em fazer alianças amplas e em defender a estabilidade da moeda”, notamos que o texto apresentado coloca em dúvida o discurso do candidato podemos perceber a ambigüidade nas inscrições verbais: tentativa, escapar e fala agora. O logotipo Veja em vermelho faz uma associação da cor original do Partido dos Trabalhadores que tem na sua historicidade uma ideologia de esquerda.  

Revista Veja – 04/07/2001


Na edição abaixo de 25/09/2002 o logotipo se apresenta na cor amarela que simboliza no imaginário coletivo a ideia de atenção, cuidado, fique atento.  Podemos notar que ao fundo aparece o céu da capital republicana coberto por nuvens, sugerindo assim um tempo de incertezas. A estrela vermelha, símbolo máximo do Partido dos Trabalhadores, com a faixa presidencial verde e amarela, está acima do Congresso Nacional, solitária e sem sustentação, solta nos ares brasilianos. No canto superior esquerdo, uma tarja azul escuro que nos remete ao luto traz as inscrições verbais: José Dirceu, em amarelo, o que remete o leitor a um sinal de atenção e em letras maiúsculas: O HOMEM QUE FAZ A CABEÇA DO PRESIDENTE, a expressão reforça a ideia de que o candidato petista é despreparado para assumir o cargo, Lula precisa de alguém que pense por ele. Por fim a manchete da revista em branco como as nuvens traz a seguinte pergunta em letras maiúsculas: O PT ESTÁ PREPARADO PARA ASSUMIR A PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA?

Revista Veja – 25/09/2002

Observamos  na imagem abaixo que na última semana antes das eleições do segundo turno, no dia 23/10/2002 a revista Veja estampou na capa uma figura monstruosa de um animal com três cabeças e o rabo vermelho do diabo com três nomes importantes do Partido Comunista da União Soviética Marx, Trotsky e Lênin transfigurados pela raiva. O título da revista trabalhava com o medo do PT: “O que querem os radicais do PT” e com a chamada: “Entre os petistas, 30% são alas de revolucionários. Ficaram silenciosos durante a campanha. Se Lula ganhar, vão cobrar a fatura. O PT diz que não paga”. A revista insinua que existe dentro do partido um grupo de radicais que não darão sossego ao governo de Lula, caso ela vença, o perigo se faz presente. No canto superior esquerdo, espaço de grande visibilidade o revista traz uma tarja em vermelho com os enunciados Brasil em amarelo, O risco de um calote em branco. Por fim, a capa com o fundo azul mostra a dualidade céu x inverno, ou seja, o perigo vermelho ronda o Brasil, a expressão: fiquem atentos está reforçada no amarelo do logotipo.

Revista Veja - 23/10/2002


Agora analisaremos a edição de 30 de outubro de 2002, intitulada TRIUNFO HISTÓRICO, podemos notar o predomínio da cor azul no plano de fundo, no logotipo e na bandeira nacional em tonalidades diferentes, Lula sorridente de terno e gravata segura o maior símbolo republicano, sendo que a palavra progresso aparece em destaque na imagem. A revista faz questão de ressaltar em amarelo que presidente eleito é de origem popular, o ex-metalúrgico do ABC Paulista, filho de retirantes nordestinos chega a Presidência da República e na chamada mostra os desafios que deverão ser vencidos. Além de ressaltar as conquistas do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso governou o país por oito anos. Na capa há um predomínio das cores do PSDB azul e o amarelo, uma alusão aos méritos tucanos.  

Revista Veja – 30/10/2002




[i] PEIRCE. C. S. Semiótica. Tradução: Teixeira Coelho. São Paulo: Perspectiva. 1977.

[ii] SANTAELLA, L. Teoria Geral dos Signos: semiose e autogeração. São Paulo: Ática. 1995.

[iii] BARTHES, R. A retórica da imagem. Trad. Isabel Rodrigues e Renina Katz Pedreira. São Paulo: FAV. 1969

Traços das Eleições Presidenciais 2010