sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Os resignificados dos espaços públicos em Pouso Alegre

Ana Eugênia Nunes de Andrade

Falar dos resignificados da cidade implica estabelecer conexões variadas com a própria experiência de viver em cidades. As marcas de afetividade compõem um acervo especial aos citadinos ao longo do tempo. Lembranças, sentidos, imagens, discursos se movimentam na memória coletiva. Essas marcas indicam códigos culturais que são carregados de conflitos, de ideologia, de resistências frente as práticas políticas que resignificam as imagens na cidade, reorganizando os sentidos pela memória hegemônica.

Podemos dizer que a materialidade da cidade está representada nos edifícios, nas ruas e avenidas, nos monumentos, nos prédios.

Para exemplificar os sentidos da cidade, vamos analisar os resignificados da Estação Ferroviária de Pouso Alegre.  Partimos da seguinte reflexão: qual a função social destinada nos diferentes tempos? Quais os significados atribuídos a Estação Ferroviária na cidade? Quais os elementos simbólicos desse espaço reconstruído ao longo dos anos.

Pertencer à cidade implica vivenciar experiências sempre remodeladas ao longo do tempo. Estas práticas cotidianas são reconstruídas pelo pensamento e pela ação dos sujeitos sociais que criam a cada tempo outras cidades na cidade.

A cidade é um espaço de sociabilidades nela estão inseridos atores que dialogam suas relações sociais e que muitas vezes se opõem as decisões do poder público. Além disso, os significados da cidade estão nos espaços públicos sendo atribuídos sentidos que se manifestam a partir das diversas memórias.


Na fotografia da Estação Ferroviária de Pouso Alegre de 1904, cinco anos após a Proclamação da República no Brasil, pode-se observar a relação dos habitantes da cidade com o espaço. Além da plataforma, a estação ainda abrigava uma sala para o telégrafo, bilheteria, um amplo armazém que abrigava a carga que seria despachada ou recebida, sala de espera e sanitários: masculino e feminino. Os homens que estão esperando o trem usavam como era comum àquela época terno, gravata e chapéu. Já os que estão nas ruas se vestem de uma maneira mais simples. Podemos ver também uma criança enchendo uma lata d água no chafariz, e alguns homens negociando seus produtos, era um espaço vivo da cidade.  No cruzamento da atual Avenida Doutor Lisboa com a Avenida Vicente Simões, podemos observar que as ruas eram de terra. Em torno do prédio podemos notar que os meios de transporte eram carroças e carros puxados por animais. Homens de diferentes classes sociais moldam o cenário da cidade. A fotografia mostra os conflitos da época, de um lado a presença do desenvolvimento e do progresso simbolizados na Estação, do outro lado, traços rurais da cidade, coexistindo com os ideais republicanos da época.


Nesta fotografia da década de 30 percebemos mudanças em torno da Estação. É nítido o aumento do fluxo de pessoas em volta do prédio (homens, mulheres e crianças). Ao fundo a direita, podemos notar a presença de carroças e animais, mas também aparecem automóveis, símbolos da modernidade, nas ruas empoeiradas da cidade. Elementos simbólicos do rural e do urbano mostram o espaço resignificado pelas práticas sociais. Os ideais de progresso da década de 30 estão pautados na ideia de modernização, tendo como pano de fundo a  industrialização que começa a aparecer no país.


Já nesta imagem da década de 80, período em que a Estação Ferroviária foi desativada, podemos perceber mudanças no espaço urbano, as ruas estão calçadas de paralelepípedos, e em torno do prédio percebe-se o aparecimento de moradias residenciais. No chão, os trilhos por onde passavam os vagões e muitas histórias de vida, perdem o sentido e o lugar remete a uma cidade fantasma, que novamente é resignificada pelas políticas públicas vigentes. Os atores sociais que vivenciarem experiências em torno do cruzamento das duas artérias centrais da cidade são outros. Cabe aqui, ressaltar que neste período o Brasil era governado pelos militares que discursavam os ideais do Milagre Econômico. Muitas indústrias estrangeiras investiram capital no país, principalmente, as do setor automobilístico. Os trens deram lugar a malha rodoviária, mas o prédio e seus significados permaneceram vivos nas lembranças dos sujeitos sociais que circulavam e trabalhavam na Estação.




Em 1988, o prédio da Estação foi reformado e adaptado para abrigar a “Casa da Cultura Menotti Del Picchia”, tendo funcionado aqui uma galeria de artes plásticas, a Secretaria Municipal de Cultura e a Biblioteca Municipal “Prisciliana Duarte de Almeida”.  Menotti Del Picchia, um dos líderes da Semana de Arte Moderna de 1922, o príncipe dos poetas brasileiros estudou no Ginásio Diocesano São José, de Pouso Alegre. Durante os tempos de colégio na cidade escreveu seus primeiros poemas, dirigiu o jornalzinho o Mandu, e recebeu da Câmara Municipal, o título de cidadão pouso-alegrense.

A partir desta data, o espaço público é resignificado, nele é estampada a marca da cultura da cidade.  O local anteriormente marcado por lembranças do vai e vem dos vagões do trem, é simbolizado pelas práticas culturais dos artistas da cidade e região e pelos admiradores das diversas expressões artísticas que ali eram produzidas e expostas. Outros discursos são ecoados, outras imagens são projetadas, outras histórias são contadas, outros conflitos habitam o espaço.


Atualmente o prédio é utilizado como o Centro de Convivência do Idoso. “O tombamento da Estação Ferroviária ocorreu em 1999 com o decreto nº 2349/99.” Percebemos aqui outra marca no prédio, em outro lugar da edificação, com outros sentidos expostos da logomarca que se inscreve no local: Centro Cultural de Convivência do Idoso, ao analisarmos os dizeres atuais, notamos que o espaço agora não é mais o espaço da cultura, mas sim, de um determinado grupo social, limitou-se as práticas vivências neste espaço público. Por que a administração pública resignificou este espaço público ? Por que a administração atual mantém esta significação atual? Que interesses estão em jogo?