terça-feira, 23 de março de 2010

Catolicismo: direitos sociais e direitos humanos (1960-1970)

Álvaro Ribeiro
Milena Gomes
Pedro Zarotti
Talita Barreto

O artigo pretende analisar o movimento do catolicismo brasileiro e sua integração na luta pelos direitos humanos e sociais, onde a solidariedade expressa a defesa dos direitos comuns. O catolicismo nesse período modificou seu perfil interna e externamente. Seu perfil institucional foi se alterando: sua imagem tradicional, sua linguagem, e sua projeção na sociedade demonstraram uma nova direção. Três aspectos centrais se apresentaram nessa mudança: o lugar e a função do catolicismo na sociedade, as questões históricas e religiosas que promoveram sua mudança interna e externa e o novo modo de ser da Igreja. Essa articulação social é um aspecto importante para a compreensão da história.

O catolicismo foi ensaiando novas formas de agir e de se posicionar. Caminhos mais sintonizados com os desafios da realidade brasileira da época principalmente na defesa dos direitos humanos e sociais. No início da década de 60 as relações entre o catolicismo e a sociedade se aproximam e possibilitam um diálogo propondo uma maior união e criando vários pontos de convergência e o envolvimento de alguns membros da igreja em diversas áreas da sociedade. Porém, essas mudanças não atingiram todo o clero, ficando evidente que a igreja não era um bloco homogêneo.

Do ponto de vista político no início da década de 60 há um clima de cooperação entre o Estado e a Igreja, assim a igreja se distância do povo e do catolicismo popular. O catolicismo oficial procura se afirmar como poder e se alia ao governo para combater o liberalismo, o comunismo e assegurar a ordem. Isso leva a formação de uma cristandade formal, provocando um distanciamento da Igreja e do povo, se mantendo aliada das oligarquias dominantes, o que provoca uma ruptura com as manifestações religiosas populares que são consideradas supersticiosas e alienantes não levando em conta a pluralidade cultural do Brasil.

A Igreja estabelece de igual forma um vínculo com a classe média fazendo o trabalho pastoral com esse público, direcionando a ele as atenções e ensinos, tudo em combate de alguns setores como os protestantes, espíritas, comunistas e mentalidade laica (ateísmo). Assim a igreja se tornou uma grande formadora da sociedade.

Vale ressaltar que em muitos momentos a Igreja esteve alinhada ao Governo, pois seus interesses econômicos, políticos e religiosos eram comuns em busca de paz, ordem, e união. Formou-se uma barreira entre Povo, Estado e Igreja. Porém na Igreja surgiram integrantes que desejavam uma maior articulação entre ela e a população, propondo uma igreja capaz de compreender a realidade brasileira. Isso alavanca vários grupos católicos que surgem e que visam à introdução dos valores cristãos na sociedade brasileira e buscam a realidade e o compromisso social. Surgem vários meios de veicular essas mudanças como jornais, revistas, cursos de líderes e semanas de estudos, tudo isso pra se alinhar mais ao meio social e cultural. Fica assim marcado o surgimento de uma nova visão da Igreja assim como atitudes que rejeitavam essa mudança.
Para compreender essas transformações no pensamento religioso que começaram a se destacar na sociedade brasileira na década de 60 é preciso analisar o movimento de transformações na década de 50, onde a sociedade civil estava extremamente polarizada. De um lado, uma frente que lutava por transformações, reformas sociais; do outro, uma setor conservador que apostava no desenvolvimento a partir da internacionalização financeira.

Os setores que apoiavam o sistema capitalista viam nesses movimentos sociais influências do comunista internacional. Numa tentativa de controlar esse movimento, os Estados Unidos da América apoiou financeiramente um projeto de desenvolvimento do Nordeste, mas com o objetivo de desarticular as políticas de Miguel Arraes e das Ligas Camponesas não tendo um interesse real com a população do sertão nordestino.

Dentro desta complexa situação na sociedade brasileira, a igreja teve que se adaptar com a finalidade de não perde seu status e seus fiéis, mas essas transformações foram lentas e tiveram fases em que mesmo apoiando os movimentos sociais não eram radicais e em momento nenhum apresentaram uma atitude contra o sistema político vigente ou contra os interesses dos setores conservadores da sociedade. Mas dentro desta perspectiva não foi unânime o apoio da igreja aos movimentos sociais, o que fez surgir varias tendências e correntes dentro da instituição.

Em um primeiro momento, acreditam que a classe patronal urbana e rural se conscientizaria dos problemas sociais e mudaram seus objetivos, mas como isso, não aconteceu a igreja começa a tomar outras atitudes e a trabalhar de forma mais prática e menos empírica nas questões sobre as reformas sociais.

Ela percebe a complexidade da população brasileira e começa a se organizar de modo que as regiões sejam atendidas de acordo com suas necessidades, compreendendo que um projeto único para todo o território, não atingiriam seus objetivos devido a diferenças geográficas, culturais entre outros.

Esse processo de adaptação da igreja era uma transformação que não teria mais volta e ficou consolidado com a criação da CNBB (Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil) e da CRB (Conferencia dos Religiosos do Brasil) que tinha como principal objetivo concretizar atuações para as relações sociais diversas.

Destaque dentro da CNBB para dom Helder Câmara, que articulou cursos e palestras para que essa nova perspectiva abrangesse todos os setores da igreja, que aos poucos foi ganhando espaço e credibilidade. Dentro da política apoiou a criação de órgãos públicos que pudessem atender as necessidades de cada região, contribuindo ao menos para minimizar dentro do possível as desigualdades sociais.

Agora já na década de 1960, a Igreja passa por um processo de reforma mais intensa em sua estrutura de trabalho. Contrapondo-se a visão tradicional, que conferia a essa instituição apenas os assuntos religiosos, afirma-se ainda mais o caráter ativo dentro da sociedade. Para tanto, foram criados novos organismos, institutos e frentes de trabalho, sob a orientação da CNBB, cuja principal tarefa era preparar os religiosos para essas novas tendências.

Um dos fatores dessa modificação deveu-se a eleição de um novo papa: João XXIII. Ele deixará a Igreja Católica mais propensa ao diálogo, mais preocupada com o social. Segundo ele, o desenvolvimento econômico, sem o desenvolvimento humano de nada valeria. Era dever da sociedade garantir um padrão de vida de qualidade para sua população, e para isso deveriam se valorizar instituições culturais e sociais. Essas intenções fincam claras com o Concílio do Vaticano II, quando a Igreja discute essas propostas e finalmente se abre para a modernidade.

Essa nova postura não será aceita por uma parcela da população, que irá atribuir a ela a acusação de comunista, algo muito sério em tempos de Guerra Fria. Mas a resistência não veio apenas da população leiga. Dentro da própria Igreja houveram grupos mais tradicionais que se opuseram ferrenhamente as transformações, uma vez que não acreditavam ser seu papel cuidar do social.

Para outra parcela, no entanto, as reformas foram aceitas com entusiasmo. Adotam-se medidas, criam organizações e difundiram-se idéias. Em 1968, é organizado pelos religiosos da América Latina a IIª Conferencia Geral do Episcopado Latino-Americano na cidade de Medelín. Os problemas discutidos foram relacionados à América Latina e sua população, defendendo acima de tudo o desenvolvimento humano e a justiça, ou seja, uma Igreja mais popular. Sua meta era integrar as pessoas, outras instituições e trocar experiências.

Esse período configurou-se como uma época impar para a história do catolicismo na sociedade brasileira. Em tal período, principia-se uma guinada das práticas católicas, guinada esta que procedeu-se a partir do interior institucional do catolicismo nacional, rumo as questões referentes às situações políticas, sociais e econômicas do país, indo de encontro as propostas do regime militar que se implantava neste momento.

No transcorrer da década supracitada, a Igreja foi imbuindo-se do escopo de acastelar a defesa dos direitos sociais e humanos ante as dificuldades a que a maior parcela de nossa sociedade estava exposta. A partir de tal postura do catolicismo, uma quantidade nada irrisória de iniciativas, manifestações e organizações, envolvendo sacerdotes e leigos, foram se constituindo ligadas e/ou apoiadas por esta nova perspectiva adotada pelo catolicismo frente a realidade brasileira. Sinteticamente argumentando, esta nova prática católica “começava pela análise da realidade, pelo engajamento político, e abria caminho para as questões sociais e humanas”.

Já no ano de 1961, a CNBB orientou seus componentes para que incitassem os lavradores a sindicalizarem-se, com o intuito de lutar por melhorias na situação do meio rural. Cientes da dura realidade a que se encontravam os nordestinos, a Igreja também mobilizou-se neste sentido, articulando o Movimento de Natal “comprometido religiosa e politicamente com a renovação, a educação de base e a mudança social”.
Aliando forças com o governo Jânio Quadros, a Igreja Católica ampliou a estrutura do Movimento de Educação de Base. Tomando de empréstimo as idéias e concepções de Bruneau, acerca do conceito de conscientização, o MEB se propunha, para além de simplesmente alfabetizar, mobilizar socialmente a população e formar integralmente a pessoa humana.

Em 1963 saiu a 1ª edição do jornal Brasil, Urgente, sob responsabilidade do frei Carlos Josaphat. O jornal esquadrinhava refletir sobre os problemas políticos e sociais dos militantes católicos.

Todavia, tal militância católica em prol de uma sociedade mais justa não ficaria restrita aos integrantes do clero. A atuação cada vez mais maciça dos clérigos levou os católicos leigos a perceberem-se como agentes históricos e, como tal, comprometidos com as causas sociais. Destarte, formaram-se as Comunidades Eclesiais de Base. A singularidade das CEB’s consistia em uma conexão mais direta da religião com a vida cotidiana. Tal atributo foi possível mediante as reflexões sobre os textos bíblicos com o intuito de entender a sua relação com o momento em que estavam vivendo.

Porém, falar em década de 1960 no Brasil no remete a um processo histórico essencial deste período. O regime militar brasileiro implantado e 1964. De inicio a Igreja Católica posicionou-se a favor de sua implantação, mas a postura adotada pelos governos militares marcado desde o início pelo desrespeito aos direitos civis, políticos e sociais, contrastante com as novas práticas do catolicismo, lutando exatamente por esses direitos, mostraram a incompatibilidade destas duas instituições continuarem juntas, e logo nos primeiros anos, a Igreja retiraria seu apoio a ditadura.

A censura e a repressão militar silenciaram inúmeros focos de oposição, dos quais a Igreja seria um dos poucos e importantes núcleos de resistência, entrando, algumas vezes, em conflitos diretos com o Estado. Não raro, a Igreja divulgava, documentos com forte teor crítico ao regime militar, falando abertamente dos abusos contra os direitos sociais e humanos por parte dos governantes.

Representantes da Igreja Católica não se restringiriam apenas a criticar a postura dos governos militares, estendendo sua prática à ação concreta, dando amparo as pessoas perseguidas. Isso custou aos membros da hierarquia católica prisões expulsões do país, difamações, atentados e assassinatos.

Os movimentos citados e a postura contrária da Igreja ao regime militar denotam a preocupação mais apurada do catolicismo com as questões da realidade brasileira.

Resumo: DELGADO, Lucilia de Almeida Neves, PASSOS, Mauro. Catolicismo: direitos sociais e direitos humanos (1960-1970). In: DELGADO, Lucilia de Almeida Neves, FERREIRA, Jorge O Brasil republicano: o tempo da ditadura – regime militar e movimentos sociais do século XX.