quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

O ensino de História: a Revolta da Vacina no compasso das músicas e nos traços das charges

Álvaro Nonato Franco Ribeiro


As discussões entorno do ensino de História tem se tornado uma constante em nosso país nos últimos trinta anos, acompanhando processos de transformação na própria historiografia. Todas elas convergem para um mesmo ponto: ensinar História hoje, é muito mais que passar aos nossos alunos uma série de fatos e datas, a fim de que eles realizem a memorização dos mesmos. Cabe ao professor criar situações de ensino e aprendizagem em que uma História mais reflexiva seja praticada. Uma História que traga junto a si, o objetivo de desenvolver a consciência crítica de nossos alunos, e que não reproduza apenas os fatos já cristalizados na memória social.

Dessa forma, este artigo científico visa propor uma nova metodologia a ser empregada em uma aula para alunos do ano do Ensino Fundamental, que trate da temática da Reforma Urbana e Sanitária do Rio de Janeiro operada no início do século XX, no governo do presidente Rodrigues Alves. Trazemos como fontes históricas a serem utilizadas nessa aula músicas compostas nesse momento, que retratem o clima de insatisfação e deboche com relação a esse movimento.

O final do século XIX e início do século XX marca uma época de transformações em todo mundo. A tecnologia se mostrava cada vez mais presente na vida dos seres humanos que passavam a desfrutar dos prazeres emanados da luz elétrica e os meios de transporte cada vez mais rápidos e eficientes. Entravamos no que o historiador inglês Eric J. Hobsbawm chamou de “Tempo das Certezas”, período que vai aproximadamente dos anos de 1890 a 1914.

Com o Brasil não poderia ser diferente. Saímos de um regime monárquico e entravamos no regime republicano. Com a República, vinham uma série de promessas que o Brasil enfim seria colocado nos trilhos do desenvolvimento. O novo século trazia consigo, os anseios de parte da população brasileira, formada pela nossa elite, que enfim veria o país se assemelhar às nações européias:

O Brasil entrava no novo século XX tão confiante como as demais nações: nada como imaginar que seria possível domesticar o futuro, prever e impedir flutuações. Sem duvida esse é um tempo que se apostou em verdades absolutas, em normas morais rígidas, na resolução de todos os imponderáveis, e fiou-se em modelos que distinguiam, de forma insofismável, o certo e o errado.

O outro lado dessa população, porém, via esse progresso com desconfiança. O que não nos surpreende, uma vez que eram eles os que sofriam com o lado negativo dessas novas tecnologias. Os carros tomavam as ruas, conduzidos por motoristas inexperientes, que provocam graves acidentes em uma população que a eles não estava adaptada. Os fios de energia elétrica que cortavam a cidade provocavam choques, na maioria das vezes, fatais em quem neles, movidos pela curiosidade, se aventurava a tocar. Eram novos tempos que traziam a esperança no progresso, mas também o medo e incertezas para aqueles que sofriam com o avanço desse desenvolvimento.

A capital do país nessa época era a cidade do Rio de Janeiro, e ela não se enquadrava a esses novos anseios, e isso já era do conhecimento do governo do país, que vinha realizando debates sobre esta temática desde a primeira metade do século XIX. O Rio de Janeiro era um caso grave de Higiene Pública, em todos os seus aspectos, seja no campo da moradia, da saúde, e sanitarismo:

(...) Entre os fatores morbígenos sobressaíam as habitações, especialmente as coletivas, onde se aglomeravam os pobres. Os médicos incriminavam tanto os seus hábitos (...), como a ganância de seus proprietários, que especulavam como a vida humana em habitações pequenas, úmidas, sem ar e luz, que funcionavam como fermentadores ou putrefatórios, liberando nuvens de miasmas na cidade. Os higienistas condenavam outros aspectos da vida urbana: corpos eram enterrados em igrejas, animais mortos eram atirados às ruas; por todos os lados havia monturos de lixo e valas a céu aberto; açougues, mercados eram perigosos tanto do ponto de vista da integridade dos alimentos como por serem potenciais corruptores do ar; fábricas, hospitais e prisões igualavam-se na ausência de regras higiênicas e disciplinares; as ruas estreitas e tortuosas dificultavam a renovação do ar e a penetração de luz do sol; as praias eram imundos depósitos de fezes e lixo; quase não havia praças arborizadas no Rio de Janeiro, que era assim como um corpo sem pulmões.
A cidade era vista como um perigo para os viajantes europeus, que ao se dirigirem de navio para a América do Sul, preferiam aportar em Buenos Aires, a fazer uma parada no Rio de Janeiro. As famílias mais pobres da cidade viviam nos chamados cortiços. Estes eram antigos casarões do tempo do Império divididos em uma série de quartos, onde as famílias moravam sem as mínimas condições de higiene necessárias.

Em meio a este pano de fundo, a cidade ainda sofria surtos epidêmicos que no decorrer de todo o ano, como por exemplo, a febre amarela, a peste bubônica e a varíola, tidas como as maiores “ceifadoras” de vida da população carioca, e isso fica claro pela charge que reproduzimos abaixo. Os esqueletos, na cultura popular, simbolizam a morte, e na ilustração suas foices trazem inscritas o nome das maiores causas de mortandades na capital nacional:



















Toda esta situação da capital brasileira passou a ser analisada pelos chamados médicos higienistas, uma corrente médica iniciada na Europa no século XIX, que pregava a salubridade como garantia de saúde e bem estar. Os higienistas propunham de ações simples, como lavar as mãos antes das refeições, até outras mais complexas, como por exemplo, a necessidade de largas avenidas que promovessem a circulação do ar, de modo que os miasmas não se mantivessem concentrados no mesmo.



Impulsionados por essas idéias, e percebendo claramente a necessidade de se promover uma Reforma Urbana e Sanitária para assegurar a atração de investimentos para o Brasil, Rodrigues Alves em seus Manifesto a Nação, de 15 de novembro de 1902, declara:



Aos interesses da imigração, dos quais depende em máxima parte nosso desenvolvimento econômico, prende-se a necessidade do saneamento desta capital. È preciso que os poderes da Republica, a quem incumbe tão importante serviço, façam dele a sua mais séria e constante preocupação (...) A capital da Republica não pode continuar a ser apontada como sede de vida difícil, quando tem fartos elementos para constituir o mais notável centro de atração de braços, de atividades e de capitais nesta parte do mundo.


Os planos de mudanças a serem promovidas na cidade do Rio de Janeiro já eram uma realidade. Restava-se agora encontrar os agentes que encabeçaria essas reformas. Para as mudanças na estrutura urbana, foi nomeado como prefeito o engenheiro Pereira Passos, que acompanhara uma reforma semelhante realizada na cidade de Paris, e que ocupara o posto de Engenheiro do Império, atuando na construção de diversos prédios, e participando de uma comissão que propunha promover o melhoramento da cidade do Rio de Janeiro. E ela consistia: no derrubamento de casas para construção de novas avenidas e ampliação das já existentes, e seriam ostentadas com mármore e cristal. Essa política ficou conhecida como “bota - abaixo” e gerou revolta na população carioca, devido à violência empregada.

A população não foi devidamente indenizada pelas casas perdidas, em uma das residências, seu proprietário se recusou a s retirar do local para ser realizado o desabamento. Foi ordenado que o local fosse demolido com ele dentro. Até os costumes da população sofrerão forte repressão, de coisas simples como cuspir e urinar nas ruas; a práticas culturais, como a capoeira e o candomblé, advindas da cultura africana, e consideradas como imorais.

O objetivo maior de Rodrigues Alves e Pereira Passos era assemelhar o centro do Rio de Janeiro com o centro de Paris, mostrando assim aos estrangeiros que o Brasil estava, enfim se assimilando os padrões estéticos europeus.
Mas era necessário ainda resolver o problema mais grave da população, as epidemias que a assolavam. Para tanto foi nomeado o médico sanitarista, de tendência pausteriana, Oswaldo Cruz, que regressara havia pouco de Paris, e dominava os recentes conceitos sobre os microorganismos e a imunização contra eles:

Oswaldo cruz freqüentou o Instituto Pasteur em pleno boom de descobertas de microrganismo patogênico e quando pareciam ilimitadas as perspectivas não apenas das vacinas, para a prevenção de doenças infecciosas, mas também da soroterapia, com fins curativos, com base na tecnologia recém-desenvolvida para o tétano e difteria (...)

As campanhas de Oswaldo Cruz consistiam no combate aos agentes transmissores das doenças: o mosquito, o rato e por fim, o vírus causador da varíola. Para combater o mosquito causador da febre amarela montou-se uma equipe de agentes sanitários, que invadiam as casas de forma brutal para combater os focos de incidência do mosquito.

Para solucionar o problema da peste bubônica tomou-se uma medida que de imediato pareceu eficiente, mas que com o tempo se tornou um meio de vida para muito cariocas:
Para acabar com os ratos do Rio de Janeiro e erradicar a peste bubônica que eles transmitiam (...). Montou-se brigadas mata-ratos. A tarefa de cada voluntário era eliminar cinco roedores por dia. Para cada rato caçado (...) recebia-se 300 réis do governo. (...) Foi uma mina de ouro para os malandros. De olho na recompensa, houve quem se especializasse na criação doméstica de ratos que eram vendidos ou depois abatidos e trocados por dinheiro.

Logo, percebemos que o comércio dos roedores foi descoberto, muitos dos envolvidos foram presos. E a idéia de Oswaldo Cruz não prosseguiu. No combate a varíola adotou-se a vacinação obrigatória em 1904, o que provocara a revolta da população carioca, que já vinha sofrendo com todas as já citadas iniciativas do governo.

Mas, diante de todas essas ações, entendemos o que escreveu o cronista carioca João do Rio, o Rio se civilizava. E não importava para os dirigentes políticos da época, a que custo isso seria feito. Podemos perceber esses aspectos sendo criticados na charge abaixo. O homem representa o Rio de Janeiro passando por um processo de embelezamento, o que não se enquadra nesse movimento é colocado para fora, ou permanece escondido, como é o caso da favela, dentro da boca, que certamente deveria se manter fechada: 



















Levando esta temática para a sala de aula propomos assim intitular a aula “Como o Rio de Janeiro se tornou a cidade maravilhosa?”. Adotamos a alcunha de “cidade maravilhosa”, pois é o apelido da capital carioca que melhor se encaixa nesta temática. Escolhemos três músicas a serem adotadas nesta aula: Febre Amarela, de 1907; Rato, rato, rato, de 1904; e por fim, Vacina Obrigatória, também de 1904. Cada uma delas tratando de um dos grandes problemas sanitários da capital.
Iniciamos a discussão com a música Febre Amarela, reproduzida abaixo:

Febre Amarela (1907)

Intérprete: Geraldo Magalhães
Gênero: humor
Gravadora: Odeon

“Hoje em dia em falso rente (?)
Acabou-se a sua guerra
Do senhor, seu Presidente
Não há mais febre amarela
Entornou-se todo o caldo
E o mosquito já não grita
Porque o grande mestre Oswaldo
Vai dar cabo da maldita
Foi-se (.........),
Foi de embrulho,
Foi de embrulho a passeata
Um manata fez barulho,
Arrumou-se a grande lata
Diz o Oswaldo da amarela
Que lhe tira o seu topete
Antes de 7 de março
De 907
(Ri)
Pois compra sempre o Oswaldo
Por subir com o figurão
Ratos 300 réis
Camundongos a tostão
Isso todo vale cobre
E o micróbio lança grito
Porque o Oswaldo anda comprando
Esqueleto de mosquito
Fiz economia, fiz barulho
Foi de embrulho, passeata,
Um manata fez barulho,
Arrumou-se a grande lata
Diz Oswaldo da amarela
Que lhe tira o seu topete
Antes de 7 de março
De 907
(Ri)
Que ela acaba ou não acaba
Se apertar muito as varetas
Machucar todo o micróbio
Eu estou vendo as coisas pretas
Quero o tal mata-mosquito
Pra que não se faça feio
Que se bote (...........)
Que tem mais de metro e meio
E a economia foi de embrulho
Foi de embrulho, passeata
Um manata fez barulho,
Arrumou-lhe a grande lata
Diz Oswaldo da amarela
Que lhe tira o seu topete
Antes de 7 de março
De 907
(Ri)”

Podemos questionar inicialmente aos alunos sobre qual o assunto da música, que no caso é a febre amarela. Devido às campanhas recentes de vacinação e erradicação dos focos de incidência do mosquito, espera-se que eles tenham algumas informações a respeito desta temática. A música ainda fala sobre o problema dos ratos, o que também deve ser explorado, como outra questão sanitária do Rio de Janeiro. A partir daqui cabe ao professor explorar os problemas urbanos da capital que já foram discutidos neste artigo, inclusive a influência higienista no movimento de urbanização e higienização da cidade. É importante ainda explicar aos estudantes, que a reforma urbana não foi um caso isolado do Rio, mas que outras capitais, como Paris já haviam passado por este processo.

A música ainda abre brecha para se falar sobre os principais agentes desta reforma: Pereira Passos, Rodrigues Alves, a partir da figura de Oswaldo Cruz, que é citado na canção. Podemos discutir sobre quais os conhecimentos inicias eles possuem a respeito de Oswaldo Cruz, sobre seu papel de destaque no quadro médico nacional. A seguir apresentamos a figura do presidente Rodrigues Alves, e seu desejo de modernizar a capital do Brasil, confiando no médico e no engenheiro, Pereira Passos, para promover essas ações. Falaremos aqui sobre quais as medidas tomadas pelo prefeito Pereira Passos, como o alargamento das avenidas, construção de novas ruas... A política do “bota – abaixo”, vem como o preço disso tudo, o que gera revolta na população.

Sobre as ações de Oswaldo Cruz, cabe voltar a música e falar sobre a febre amarela, e a política dos agentes sanitários invadirem as casas de forma brusca, o que também provoca insatisfação popular. E em seguida, apresentamos o combate aos ratos, com a segunda música a ser utilizada na aula:

Rato, rato, rato (1904)

Autor: Casemiro Rocha e Claudino Manoel da Costa
Intérprete: Claudino Manoel da Costa
Gênero: Polca
Gravadora: Odeon

“Rato, rato, rato
Assim gritavam os compradores ambulantes
Rato, rato, rato,
Para vender na academia aos estudantes
Rato, rato, rato
Dá bastante amolação
Quando passam os garotos, todos rotos
A comprar rato, capitão
Quem apanha ratos?
Aqui estou eu para comprar, para comprar
Ratos baratos
São necessários para estudar, para estudar
Já que vens saber
Que este viver é minha sina
Rato, rato, rato, rato
Na parada da vacina
Rato, rato, rato
Só se vê aqui no Rio de Janeiro
Rato, rato, rato
Quem os tiver já não passa sem dinheiro
Rato, rato, rato
É a nossa salvação
Pra esses nossos malandrotes não passarem
Todo dia sem o pão
Tem vendedor que compra ratos
Nunca tive um casamento
Nem procuro trabalhar
Ratos quando estou em casa estou prendendo
Ratos que no outro dia estou vendendo
Com (...) que é desconhecido
Nem por isso meu negócio assim produz
Tem que trazê-lo na memória,
O belo tempo de glória, dr.Oswaldo Cruz
Rato, rato, rato
Assim gritavam os compradores ambulantes
Rato, rato, rato,
Para vender na academia aos estudantes
Rato, rato, rato
Dá bastante amolação
Quando passam os garotos, todos rotos
A comprar rato, capitão(?)”

Aqui cabe aos alunos analisarem a canção mediante aos questionamentos do professor. Mais uma vez a primeira questão é sobre o assunto da música, que no caso corresponde ao venda de ratos realizada como uma forma de combater os principais agentes transmissores da peste bubônica: as pulgas. Cabe lembrar aos alunos, que ela já é uma antiga conhecida dos mesmos: a peste negra, que devastou a Europa no século XIV, corresponde a mesma doença.

Três trechos podem ser selecionados, pois propiciam a discussão: Quem os tiver já não passa sem dinheiro; É a nossa salvação/Para esses malandrotes não passarem/Todo dia sem o pão; e por fim, Nem procuro trabalhar. Através deles é possível demonstrar as táticas encontradas por alguns brasileiros para ganhar dinheiro fácil, e que o objetivo do governo não foi alcançado, pois ao invés de diminuir o número de roedores na cidade, eles estavam aumentando! Parte da população vinha se especializando em criá-los, para dessa forma receber dinheiro fácil.
Por último, deixamos à questão da vacinação obrigatória que gerará a revolta popular. Mas cabe aqui a explicação de que a população não se revoltou exclusivamente pela vacinação. Eles já vinham perdendo suas casas devido a política de embelezamento da cidade promovida pelo governo, sem se importar com as camadas populares. Aqueles que não perderam suas residências as tinham invadidas pelos agentes que combatiam a febre amarela, sem o menor respeito. E por fim as taxas de desemprego e o preço dos alimentos estavam altíssimos.

A questão da aversão à vacinação é algo que também merece uma explicação. Os alunos devem entender que a vacina era algo muito novo na época. O medo dela não era algo exclusivo das camadas populares em sua maioria analfabeta. Rui Barbosa, um dos homens mais cultos do Brasil nessa época se recusou a tomar a vacina temendo seus efeitos. A população ao saber que o que era inoculado era o vírus da varíola acreditava que se operaria uma matança em massa da população. Os pais não aceitavam que outros homens colocassem as mãos em suas filhas ou esposas, devido a valores culturais deste momento histórico.

O governo brasileiro não realizou nenhuma campanha para conscientizar a população de sua importância. E a mesma brutalidade empregada no combate aos mosquitos foi empregada na aplicação da vacina, que para muitos, foi conhecido como “o espeto obrigatório”. Uma verdadeira guerra foi travada entre a imprensa que defendia o governo, e a oposição, que via em toda essa situação o momento ideal para criticar, e quem sabe, derrubar Rodrigues Alves:

Oswaldo Cruz estruturou a campanha em bases militares, utilizando os instrumentos legais de coação e, em menor medida, meios de persuasão, os “Conselho do Povo”, por exemplo, publicado na imprensa pró-governamental, inteiramente mobilizada para a guerra contra os porta-vozes da oposição.

Vacina obrigatória (1904)

Intérprete: Mario Pinheiro
Gênero: Cançoneta
Gravadora: Odeon

Anda o povo acelerado com horror a palmatória
Por causa dessa lambança da vacina obrigatória
Os manatas da sabença estão teimando desta vez
Em meter o ferro a pulso bem no braço do freguês
E os doutores da higiene vão deitando logo a mão
Sem saber se o sujeito quer levar o ferro ou não
Seja moço ou seja velho, ou mulatinha que tem visgo
Homem sério, tudo, tudo leva ferro, que é servido.
Bem no braço do Zé povo, chega um tipo e logo vai
Enfiando aquele troço, a lanceta e tudo o mais
Mas a lei manda que o povo e o coitado do freguês
Vá gemendo na vacina ou então vá pro xadrez
Contam um caso sucedido que o negócio tudo logra
O doutor foi lá em casa vacinar a minha sogra
A velha como uma bicha teve um riso contrafeito
E peitou com o doutor bem na cara do sujeito
E quando o ferro foi entrando fez a velha uma careta
Teve mesmo um chilique eu vi a coisa preta
Mas eu disse pro doutor: vá furando até o cabo
Que a senhora minha sogra é levada dos diabos
Tem um casal de namorados que eu conheço a triste sina
Houve forte rebuliço só por causa da vacina
A moça que era inocente e um pouquinho adiantada
Quando foi para pretoria já estava vacinada
Eu não nesse arrastão sem fazer o meu barulho
Os doutores da ciência terão mesmo que ir no embrulho
Não embarco na canoa que a vacina me persegue
Vão meter ferro no boi ou nos diabos que os carregue.”

Através de trechos como: E os doutores da higiene vão deitando logo a mão/ Sem saber se o sujeito quer levar o ferro ou não; Bem no braço do Zé povo, chega um tipo e logo vai/ Enfiando aquele troço, a lanceta e tudo mais. Transmitimos aos alunos a violência empregada e o medo da população, que não encontrou outro caminho para protestar contra tudo aquilo que a ela vinha sendo imposto, se não a revolta, estourando em novembro de 1904, a Revolta da Vacina. Pela citação abaixo, percebemos que as causas da revolta eram muito mais profundas do que a imposição da vacinação obrigatória. A população iniciou o movimento como reposta as medidas de cunho positivista, que enxergavam o embelezamento da capital nacional, antes de seu próprio povo:

A lei da vacina obrigatória foi aprovada em 31 de outubro de 1904. Quando os jornais publicaram, em 9 de novembro, o esboço do decreto que ia regulamentar o “Código de Torturas” a cidade foi paralisada pela revolta da vacina por mais de uma semana. Esse movimento, que a literatura da época reduziu a um simples choque entre as massas incivilizadas e a imposição inexorável da razão e do progresso, foi protagonizado por forças sociais heterogêneas, compondo-se, na realidade, de duas rebeliões imbricadas: o grande motim popular contra a vacina e outras medidas discricionárias e segregadoras impostas em nome do “embelezamento” e “saneamento” da cidade (...) 

Na imagem abaixo, encontram-se em situação de confronto o povo, armados de panelas, serrotes, machados e os agentes sanitários, montados em seringas e armados de agulhas. A charge reflete o caráter bem popular da revolta:
















Escolhemos a música como as fontes históricas a serem utilizadas nesta aula, pois elas aparecem como um recurso extremante válido, uma vez que cotidianamente estão próximas de nossos alunos, segundo Circe Bittencourt:

O uso da musico é importante por situar os jovens diante de um meio de comunicação próximo de sua vivencia, mediante o qual o professor pode identificar o gosto, a estética da nova geração. (...) Se existe certa facilidade em usar a música para despertar interesse, o problema que se apresenta é transformá-la em objeto de investigação. Ouvir a música é um prazer, um momento de diversão, de lazer, o qual, ao entrar na sala de aula, se transforma em uma ação intelectual. Existe uma enorme diferença entre ouvir música e pensar a música.

A autora nos chama a atenção para o fato de que ao professor não basta apenas levar a música para a sala de aula e esperar que os alunos realizem sozinhos a sua interpretação.  O professor deve atuar como o mediador entre a música e o aluno, questionando, analisando as respostas, recebendo perguntas... É o professor o responsável por fazer os estudantes pensarem a música de fato, e assim construir o pensamento histórico.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BENCHIMOL, Jaime. Reforma urbana e Revolta da Vacina na cidade do Rio de Janeiro. In: FERRAIRA, Jorge. DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. O Brasil Republicano: o tempo do liberalismo excludente. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.

BITTENCURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de história: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2009.

COSTA, Ângela Marques da. SCHWARCZ, Lilia Moritiz. 1890-1914: no tempo das certezas. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

Ratos que valiam ouro. Nossa História, n. 10, agosto 2004, p.89.