quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

O ensino de História: a Revolta da Vacina no compasso das músicas e nos traços das charges

Álvaro Nonato Franco Ribeiro


As discussões entorno do ensino de História tem se tornado uma constante em nosso país nos últimos trinta anos, acompanhando processos de transformação na própria historiografia. Todas elas convergem para um mesmo ponto: ensinar História hoje, é muito mais que passar aos nossos alunos uma série de fatos e datas, a fim de que eles realizem a memorização dos mesmos. Cabe ao professor criar situações de ensino e aprendizagem em que uma História mais reflexiva seja praticada. Uma História que traga junto a si, o objetivo de desenvolver a consciência crítica de nossos alunos, e que não reproduza apenas os fatos já cristalizados na memória social.

Dessa forma, este artigo científico visa propor uma nova metodologia a ser empregada em uma aula para alunos do ano do Ensino Fundamental, que trate da temática da Reforma Urbana e Sanitária do Rio de Janeiro operada no início do século XX, no governo do presidente Rodrigues Alves. Trazemos como fontes históricas a serem utilizadas nessa aula músicas compostas nesse momento, que retratem o clima de insatisfação e deboche com relação a esse movimento.

O final do século XIX e início do século XX marca uma época de transformações em todo mundo. A tecnologia se mostrava cada vez mais presente na vida dos seres humanos que passavam a desfrutar dos prazeres emanados da luz elétrica e os meios de transporte cada vez mais rápidos e eficientes. Entravamos no que o historiador inglês Eric J. Hobsbawm chamou de “Tempo das Certezas”, período que vai aproximadamente dos anos de 1890 a 1914.

Com o Brasil não poderia ser diferente. Saímos de um regime monárquico e entravamos no regime republicano. Com a República, vinham uma série de promessas que o Brasil enfim seria colocado nos trilhos do desenvolvimento. O novo século trazia consigo, os anseios de parte da população brasileira, formada pela nossa elite, que enfim veria o país se assemelhar às nações européias:

O Brasil entrava no novo século XX tão confiante como as demais nações: nada como imaginar que seria possível domesticar o futuro, prever e impedir flutuações. Sem duvida esse é um tempo que se apostou em verdades absolutas, em normas morais rígidas, na resolução de todos os imponderáveis, e fiou-se em modelos que distinguiam, de forma insofismável, o certo e o errado.

O outro lado dessa população, porém, via esse progresso com desconfiança. O que não nos surpreende, uma vez que eram eles os que sofriam com o lado negativo dessas novas tecnologias. Os carros tomavam as ruas, conduzidos por motoristas inexperientes, que provocam graves acidentes em uma população que a eles não estava adaptada. Os fios de energia elétrica que cortavam a cidade provocavam choques, na maioria das vezes, fatais em quem neles, movidos pela curiosidade, se aventurava a tocar. Eram novos tempos que traziam a esperança no progresso, mas também o medo e incertezas para aqueles que sofriam com o avanço desse desenvolvimento.

A capital do país nessa época era a cidade do Rio de Janeiro, e ela não se enquadrava a esses novos anseios, e isso já era do conhecimento do governo do país, que vinha realizando debates sobre esta temática desde a primeira metade do século XIX. O Rio de Janeiro era um caso grave de Higiene Pública, em todos os seus aspectos, seja no campo da moradia, da saúde, e sanitarismo:

(...) Entre os fatores morbígenos sobressaíam as habitações, especialmente as coletivas, onde se aglomeravam os pobres. Os médicos incriminavam tanto os seus hábitos (...), como a ganância de seus proprietários, que especulavam como a vida humana em habitações pequenas, úmidas, sem ar e luz, que funcionavam como fermentadores ou putrefatórios, liberando nuvens de miasmas na cidade. Os higienistas condenavam outros aspectos da vida urbana: corpos eram enterrados em igrejas, animais mortos eram atirados às ruas; por todos os lados havia monturos de lixo e valas a céu aberto; açougues, mercados eram perigosos tanto do ponto de vista da integridade dos alimentos como por serem potenciais corruptores do ar; fábricas, hospitais e prisões igualavam-se na ausência de regras higiênicas e disciplinares; as ruas estreitas e tortuosas dificultavam a renovação do ar e a penetração de luz do sol; as praias eram imundos depósitos de fezes e lixo; quase não havia praças arborizadas no Rio de Janeiro, que era assim como um corpo sem pulmões.
A cidade era vista como um perigo para os viajantes europeus, que ao se dirigirem de navio para a América do Sul, preferiam aportar em Buenos Aires, a fazer uma parada no Rio de Janeiro. As famílias mais pobres da cidade viviam nos chamados cortiços. Estes eram antigos casarões do tempo do Império divididos em uma série de quartos, onde as famílias moravam sem as mínimas condições de higiene necessárias.

Em meio a este pano de fundo, a cidade ainda sofria surtos epidêmicos que no decorrer de todo o ano, como por exemplo, a febre amarela, a peste bubônica e a varíola, tidas como as maiores “ceifadoras” de vida da população carioca, e isso fica claro pela charge que reproduzimos abaixo. Os esqueletos, na cultura popular, simbolizam a morte, e na ilustração suas foices trazem inscritas o nome das maiores causas de mortandades na capital nacional:



















Toda esta situação da capital brasileira passou a ser analisada pelos chamados médicos higienistas, uma corrente médica iniciada na Europa no século XIX, que pregava a salubridade como garantia de saúde e bem estar. Os higienistas propunham de ações simples, como lavar as mãos antes das refeições, até outras mais complexas, como por exemplo, a necessidade de largas avenidas que promovessem a circulação do ar, de modo que os miasmas não se mantivessem concentrados no mesmo.



Impulsionados por essas idéias, e percebendo claramente a necessidade de se promover uma Reforma Urbana e Sanitária para assegurar a atração de investimentos para o Brasil, Rodrigues Alves em seus Manifesto a Nação, de 15 de novembro de 1902, declara:



Aos interesses da imigração, dos quais depende em máxima parte nosso desenvolvimento econômico, prende-se a necessidade do saneamento desta capital. È preciso que os poderes da Republica, a quem incumbe tão importante serviço, façam dele a sua mais séria e constante preocupação (...) A capital da Republica não pode continuar a ser apontada como sede de vida difícil, quando tem fartos elementos para constituir o mais notável centro de atração de braços, de atividades e de capitais nesta parte do mundo.


Os planos de mudanças a serem promovidas na cidade do Rio de Janeiro já eram uma realidade. Restava-se agora encontrar os agentes que encabeçaria essas reformas. Para as mudanças na estrutura urbana, foi nomeado como prefeito o engenheiro Pereira Passos, que acompanhara uma reforma semelhante realizada na cidade de Paris, e que ocupara o posto de Engenheiro do Império, atuando na construção de diversos prédios, e participando de uma comissão que propunha promover o melhoramento da cidade do Rio de Janeiro. E ela consistia: no derrubamento de casas para construção de novas avenidas e ampliação das já existentes, e seriam ostentadas com mármore e cristal. Essa política ficou conhecida como “bota - abaixo” e gerou revolta na população carioca, devido à violência empregada.

A população não foi devidamente indenizada pelas casas perdidas, em uma das residências, seu proprietário se recusou a s retirar do local para ser realizado o desabamento. Foi ordenado que o local fosse demolido com ele dentro. Até os costumes da população sofrerão forte repressão, de coisas simples como cuspir e urinar nas ruas; a práticas culturais, como a capoeira e o candomblé, advindas da cultura africana, e consideradas como imorais.

O objetivo maior de Rodrigues Alves e Pereira Passos era assemelhar o centro do Rio de Janeiro com o centro de Paris, mostrando assim aos estrangeiros que o Brasil estava, enfim se assimilando os padrões estéticos europeus.
Mas era necessário ainda resolver o problema mais grave da população, as epidemias que a assolavam. Para tanto foi nomeado o médico sanitarista, de tendência pausteriana, Oswaldo Cruz, que regressara havia pouco de Paris, e dominava os recentes conceitos sobre os microorganismos e a imunização contra eles:

Oswaldo cruz freqüentou o Instituto Pasteur em pleno boom de descobertas de microrganismo patogênico e quando pareciam ilimitadas as perspectivas não apenas das vacinas, para a prevenção de doenças infecciosas, mas também da soroterapia, com fins curativos, com base na tecnologia recém-desenvolvida para o tétano e difteria (...)

As campanhas de Oswaldo Cruz consistiam no combate aos agentes transmissores das doenças: o mosquito, o rato e por fim, o vírus causador da varíola. Para combater o mosquito causador da febre amarela montou-se uma equipe de agentes sanitários, que invadiam as casas de forma brutal para combater os focos de incidência do mosquito.

Para solucionar o problema da peste bubônica tomou-se uma medida que de imediato pareceu eficiente, mas que com o tempo se tornou um meio de vida para muito cariocas:
Para acabar com os ratos do Rio de Janeiro e erradicar a peste bubônica que eles transmitiam (...). Montou-se brigadas mata-ratos. A tarefa de cada voluntário era eliminar cinco roedores por dia. Para cada rato caçado (...) recebia-se 300 réis do governo. (...) Foi uma mina de ouro para os malandros. De olho na recompensa, houve quem se especializasse na criação doméstica de ratos que eram vendidos ou depois abatidos e trocados por dinheiro.

Logo, percebemos que o comércio dos roedores foi descoberto, muitos dos envolvidos foram presos. E a idéia de Oswaldo Cruz não prosseguiu. No combate a varíola adotou-se a vacinação obrigatória em 1904, o que provocara a revolta da população carioca, que já vinha sofrendo com todas as já citadas iniciativas do governo.

Mas, diante de todas essas ações, entendemos o que escreveu o cronista carioca João do Rio, o Rio se civilizava. E não importava para os dirigentes políticos da época, a que custo isso seria feito. Podemos perceber esses aspectos sendo criticados na charge abaixo. O homem representa o Rio de Janeiro passando por um processo de embelezamento, o que não se enquadra nesse movimento é colocado para fora, ou permanece escondido, como é o caso da favela, dentro da boca, que certamente deveria se manter fechada: 



















Levando esta temática para a sala de aula propomos assim intitular a aula “Como o Rio de Janeiro se tornou a cidade maravilhosa?”. Adotamos a alcunha de “cidade maravilhosa”, pois é o apelido da capital carioca que melhor se encaixa nesta temática. Escolhemos três músicas a serem adotadas nesta aula: Febre Amarela, de 1907; Rato, rato, rato, de 1904; e por fim, Vacina Obrigatória, também de 1904. Cada uma delas tratando de um dos grandes problemas sanitários da capital.
Iniciamos a discussão com a música Febre Amarela, reproduzida abaixo:

Febre Amarela (1907)

Intérprete: Geraldo Magalhães
Gênero: humor
Gravadora: Odeon

“Hoje em dia em falso rente (?)
Acabou-se a sua guerra
Do senhor, seu Presidente
Não há mais febre amarela
Entornou-se todo o caldo
E o mosquito já não grita
Porque o grande mestre Oswaldo
Vai dar cabo da maldita
Foi-se (.........),
Foi de embrulho,
Foi de embrulho a passeata
Um manata fez barulho,
Arrumou-se a grande lata
Diz o Oswaldo da amarela
Que lhe tira o seu topete
Antes de 7 de março
De 907
(Ri)
Pois compra sempre o Oswaldo
Por subir com o figurão
Ratos 300 réis
Camundongos a tostão
Isso todo vale cobre
E o micróbio lança grito
Porque o Oswaldo anda comprando
Esqueleto de mosquito
Fiz economia, fiz barulho
Foi de embrulho, passeata,
Um manata fez barulho,
Arrumou-se a grande lata
Diz Oswaldo da amarela
Que lhe tira o seu topete
Antes de 7 de março
De 907
(Ri)
Que ela acaba ou não acaba
Se apertar muito as varetas
Machucar todo o micróbio
Eu estou vendo as coisas pretas
Quero o tal mata-mosquito
Pra que não se faça feio
Que se bote (...........)
Que tem mais de metro e meio
E a economia foi de embrulho
Foi de embrulho, passeata
Um manata fez barulho,
Arrumou-lhe a grande lata
Diz Oswaldo da amarela
Que lhe tira o seu topete
Antes de 7 de março
De 907
(Ri)”

Podemos questionar inicialmente aos alunos sobre qual o assunto da música, que no caso é a febre amarela. Devido às campanhas recentes de vacinação e erradicação dos focos de incidência do mosquito, espera-se que eles tenham algumas informações a respeito desta temática. A música ainda fala sobre o problema dos ratos, o que também deve ser explorado, como outra questão sanitária do Rio de Janeiro. A partir daqui cabe ao professor explorar os problemas urbanos da capital que já foram discutidos neste artigo, inclusive a influência higienista no movimento de urbanização e higienização da cidade. É importante ainda explicar aos estudantes, que a reforma urbana não foi um caso isolado do Rio, mas que outras capitais, como Paris já haviam passado por este processo.

A música ainda abre brecha para se falar sobre os principais agentes desta reforma: Pereira Passos, Rodrigues Alves, a partir da figura de Oswaldo Cruz, que é citado na canção. Podemos discutir sobre quais os conhecimentos inicias eles possuem a respeito de Oswaldo Cruz, sobre seu papel de destaque no quadro médico nacional. A seguir apresentamos a figura do presidente Rodrigues Alves, e seu desejo de modernizar a capital do Brasil, confiando no médico e no engenheiro, Pereira Passos, para promover essas ações. Falaremos aqui sobre quais as medidas tomadas pelo prefeito Pereira Passos, como o alargamento das avenidas, construção de novas ruas... A política do “bota – abaixo”, vem como o preço disso tudo, o que gera revolta na população.

Sobre as ações de Oswaldo Cruz, cabe voltar a música e falar sobre a febre amarela, e a política dos agentes sanitários invadirem as casas de forma brusca, o que também provoca insatisfação popular. E em seguida, apresentamos o combate aos ratos, com a segunda música a ser utilizada na aula:

Rato, rato, rato (1904)

Autor: Casemiro Rocha e Claudino Manoel da Costa
Intérprete: Claudino Manoel da Costa
Gênero: Polca
Gravadora: Odeon

“Rato, rato, rato
Assim gritavam os compradores ambulantes
Rato, rato, rato,
Para vender na academia aos estudantes
Rato, rato, rato
Dá bastante amolação
Quando passam os garotos, todos rotos
A comprar rato, capitão
Quem apanha ratos?
Aqui estou eu para comprar, para comprar
Ratos baratos
São necessários para estudar, para estudar
Já que vens saber
Que este viver é minha sina
Rato, rato, rato, rato
Na parada da vacina
Rato, rato, rato
Só se vê aqui no Rio de Janeiro
Rato, rato, rato
Quem os tiver já não passa sem dinheiro
Rato, rato, rato
É a nossa salvação
Pra esses nossos malandrotes não passarem
Todo dia sem o pão
Tem vendedor que compra ratos
Nunca tive um casamento
Nem procuro trabalhar
Ratos quando estou em casa estou prendendo
Ratos que no outro dia estou vendendo
Com (...) que é desconhecido
Nem por isso meu negócio assim produz
Tem que trazê-lo na memória,
O belo tempo de glória, dr.Oswaldo Cruz
Rato, rato, rato
Assim gritavam os compradores ambulantes
Rato, rato, rato,
Para vender na academia aos estudantes
Rato, rato, rato
Dá bastante amolação
Quando passam os garotos, todos rotos
A comprar rato, capitão(?)”

Aqui cabe aos alunos analisarem a canção mediante aos questionamentos do professor. Mais uma vez a primeira questão é sobre o assunto da música, que no caso corresponde ao venda de ratos realizada como uma forma de combater os principais agentes transmissores da peste bubônica: as pulgas. Cabe lembrar aos alunos, que ela já é uma antiga conhecida dos mesmos: a peste negra, que devastou a Europa no século XIV, corresponde a mesma doença.

Três trechos podem ser selecionados, pois propiciam a discussão: Quem os tiver já não passa sem dinheiro; É a nossa salvação/Para esses malandrotes não passarem/Todo dia sem o pão; e por fim, Nem procuro trabalhar. Através deles é possível demonstrar as táticas encontradas por alguns brasileiros para ganhar dinheiro fácil, e que o objetivo do governo não foi alcançado, pois ao invés de diminuir o número de roedores na cidade, eles estavam aumentando! Parte da população vinha se especializando em criá-los, para dessa forma receber dinheiro fácil.
Por último, deixamos à questão da vacinação obrigatória que gerará a revolta popular. Mas cabe aqui a explicação de que a população não se revoltou exclusivamente pela vacinação. Eles já vinham perdendo suas casas devido a política de embelezamento da cidade promovida pelo governo, sem se importar com as camadas populares. Aqueles que não perderam suas residências as tinham invadidas pelos agentes que combatiam a febre amarela, sem o menor respeito. E por fim as taxas de desemprego e o preço dos alimentos estavam altíssimos.

A questão da aversão à vacinação é algo que também merece uma explicação. Os alunos devem entender que a vacina era algo muito novo na época. O medo dela não era algo exclusivo das camadas populares em sua maioria analfabeta. Rui Barbosa, um dos homens mais cultos do Brasil nessa época se recusou a tomar a vacina temendo seus efeitos. A população ao saber que o que era inoculado era o vírus da varíola acreditava que se operaria uma matança em massa da população. Os pais não aceitavam que outros homens colocassem as mãos em suas filhas ou esposas, devido a valores culturais deste momento histórico.

O governo brasileiro não realizou nenhuma campanha para conscientizar a população de sua importância. E a mesma brutalidade empregada no combate aos mosquitos foi empregada na aplicação da vacina, que para muitos, foi conhecido como “o espeto obrigatório”. Uma verdadeira guerra foi travada entre a imprensa que defendia o governo, e a oposição, que via em toda essa situação o momento ideal para criticar, e quem sabe, derrubar Rodrigues Alves:

Oswaldo Cruz estruturou a campanha em bases militares, utilizando os instrumentos legais de coação e, em menor medida, meios de persuasão, os “Conselho do Povo”, por exemplo, publicado na imprensa pró-governamental, inteiramente mobilizada para a guerra contra os porta-vozes da oposição.

Vacina obrigatória (1904)

Intérprete: Mario Pinheiro
Gênero: Cançoneta
Gravadora: Odeon

Anda o povo acelerado com horror a palmatória
Por causa dessa lambança da vacina obrigatória
Os manatas da sabença estão teimando desta vez
Em meter o ferro a pulso bem no braço do freguês
E os doutores da higiene vão deitando logo a mão
Sem saber se o sujeito quer levar o ferro ou não
Seja moço ou seja velho, ou mulatinha que tem visgo
Homem sério, tudo, tudo leva ferro, que é servido.
Bem no braço do Zé povo, chega um tipo e logo vai
Enfiando aquele troço, a lanceta e tudo o mais
Mas a lei manda que o povo e o coitado do freguês
Vá gemendo na vacina ou então vá pro xadrez
Contam um caso sucedido que o negócio tudo logra
O doutor foi lá em casa vacinar a minha sogra
A velha como uma bicha teve um riso contrafeito
E peitou com o doutor bem na cara do sujeito
E quando o ferro foi entrando fez a velha uma careta
Teve mesmo um chilique eu vi a coisa preta
Mas eu disse pro doutor: vá furando até o cabo
Que a senhora minha sogra é levada dos diabos
Tem um casal de namorados que eu conheço a triste sina
Houve forte rebuliço só por causa da vacina
A moça que era inocente e um pouquinho adiantada
Quando foi para pretoria já estava vacinada
Eu não nesse arrastão sem fazer o meu barulho
Os doutores da ciência terão mesmo que ir no embrulho
Não embarco na canoa que a vacina me persegue
Vão meter ferro no boi ou nos diabos que os carregue.”

Através de trechos como: E os doutores da higiene vão deitando logo a mão/ Sem saber se o sujeito quer levar o ferro ou não; Bem no braço do Zé povo, chega um tipo e logo vai/ Enfiando aquele troço, a lanceta e tudo mais. Transmitimos aos alunos a violência empregada e o medo da população, que não encontrou outro caminho para protestar contra tudo aquilo que a ela vinha sendo imposto, se não a revolta, estourando em novembro de 1904, a Revolta da Vacina. Pela citação abaixo, percebemos que as causas da revolta eram muito mais profundas do que a imposição da vacinação obrigatória. A população iniciou o movimento como reposta as medidas de cunho positivista, que enxergavam o embelezamento da capital nacional, antes de seu próprio povo:

A lei da vacina obrigatória foi aprovada em 31 de outubro de 1904. Quando os jornais publicaram, em 9 de novembro, o esboço do decreto que ia regulamentar o “Código de Torturas” a cidade foi paralisada pela revolta da vacina por mais de uma semana. Esse movimento, que a literatura da época reduziu a um simples choque entre as massas incivilizadas e a imposição inexorável da razão e do progresso, foi protagonizado por forças sociais heterogêneas, compondo-se, na realidade, de duas rebeliões imbricadas: o grande motim popular contra a vacina e outras medidas discricionárias e segregadoras impostas em nome do “embelezamento” e “saneamento” da cidade (...) 

Na imagem abaixo, encontram-se em situação de confronto o povo, armados de panelas, serrotes, machados e os agentes sanitários, montados em seringas e armados de agulhas. A charge reflete o caráter bem popular da revolta:
















Escolhemos a música como as fontes históricas a serem utilizadas nesta aula, pois elas aparecem como um recurso extremante válido, uma vez que cotidianamente estão próximas de nossos alunos, segundo Circe Bittencourt:

O uso da musico é importante por situar os jovens diante de um meio de comunicação próximo de sua vivencia, mediante o qual o professor pode identificar o gosto, a estética da nova geração. (...) Se existe certa facilidade em usar a música para despertar interesse, o problema que se apresenta é transformá-la em objeto de investigação. Ouvir a música é um prazer, um momento de diversão, de lazer, o qual, ao entrar na sala de aula, se transforma em uma ação intelectual. Existe uma enorme diferença entre ouvir música e pensar a música.

A autora nos chama a atenção para o fato de que ao professor não basta apenas levar a música para a sala de aula e esperar que os alunos realizem sozinhos a sua interpretação.  O professor deve atuar como o mediador entre a música e o aluno, questionando, analisando as respostas, recebendo perguntas... É o professor o responsável por fazer os estudantes pensarem a música de fato, e assim construir o pensamento histórico.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BENCHIMOL, Jaime. Reforma urbana e Revolta da Vacina na cidade do Rio de Janeiro. In: FERRAIRA, Jorge. DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. O Brasil Republicano: o tempo do liberalismo excludente. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.

BITTENCURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de história: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2009.

COSTA, Ângela Marques da. SCHWARCZ, Lilia Moritiz. 1890-1914: no tempo das certezas. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

Ratos que valiam ouro. Nossa História, n. 10, agosto 2004, p.89.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

O ensino de história, o cangaço e o cordel em sala de aula


Álvaro Nonato Franco Ribeiro

O ensino de História não é uma tarefa fácil. No cotidiano escolar os alunos são convidados a compreenderem uma realidade completamente distinta da qual estão inseridos e dependendo da forma como o conteúdo é trabalhado torna-se totalmente insignificante no processo ensino-aprendizagem. Vivemos em um mundo carregado de possibilidades tecnológicas, que aliadas ao conhecimento histórico, podem se tornar recursos didáticos viáveis e atrativos, contribuindo no enriquecimento pedagógico das aulas de história.

Dessa forma, o objetivo desse artigo é analisar as possibilidades da utilização da música dentro do ensino fundamental, no período que vai de 1956 a 1961, quando quem governava o Brasil era JK, o também chamado “Presidente Bossa Nova”. Esse foi um período de grande desenvolvimento cultural e intelectual na sociedade brasileira, cuja uma de suas maiores expressões foi a Bossa Nova, sendo este estilo musical o recurso didático utilizado nesse artigo.

A década de 1950 ficou conhecida dentro da história como os chamados “Anos Dourados”, graças a esse grande desenvolvimento cultural. Nos cinemas era possível se assistir as chanchadas protagonizadas por Oscarito, Grande Otelo, Dercy Gonçalves, Zé Trindade e Mazzaropi, que provocavam grandes risadas nos espectadores.

Revistas como O Cruzeiro e Manchete aumentavam a cada mês as suas triagens, a população praticamente analfabeta se encantava com as fotografias. O rádio era o grande meio de comunicação, com ele era possível aos brasileiros receberem noticias do país e do mundo, se divertir, com os concursos Miss Universo e das Rainhas do Rádio, e ainda, com a possibilidade de se emocionar acompanhando novelas como “O Direito de Nascer”. Somando-se a tudo isso, a TV aos poucos começa a entrar nos lares brasileiros.

Na música João Gilberto cantando Desafinado inaugura o movimento Bossa Nova no Brasil. Surgida na zona sul do Rio de Janeiro, em oposição ao samba, visto agora como atrasado, associado aos morros cariocas. Com uma nova batida, influenciada pelo jazz norte-americano, acompanhado principalmente pelo piano, baixo, bateria, com batidas no violão dissonante, promovendo a integração entre melodia e ritmo. Correspondia aos anseios do “novo” Brasil, que vinha sendo construído ao longo da década de 1950, os ideais de urbanização e modernidade ganharam cada vez mais força:

“Ao analisar o termo bossa, percebe-se que era designado para representar o que era novo, atual, diferente. Neste caso nada mais novo que um presidente da república com projetos tão ousados e uma música que (...) se afinava com as intenções políticas.” [1]

A partir daqui podemos percebemos o porquê da denominação dos anos JK, como República Bossa Nova. Juscelino Kubitscheck de Oliveira destacou-se como homem público de ação[2]. Suas propostas ao assumir a presidência do Brasil, era a de levar o país ao grupo das chamadas nações desenvolvidas. E isto seria feito através da industrialização e modernização do Brasil. Também fica claro a razão desse estilo musical ser uma ótima escolha para o professor trabalhar com este período, pois reflete os ideais dessa época.

O carro chefe de sua campanha foi o slogan “50 anos em 5”, que procurava dar ao Brasil um desenvolvimento de 50 anos em 5 de governo, e o Plano de Metas,  um documento caracterizado principalmente por avanços na economia. Dividia-se basicamente em 30 metas, distribuídas em avanços para os setores de energia, transporte, alimentação, indústria de base e educação. Brasília foi incorporada durante a campanha presidencial, assumindo grande destaque, sendo caracterizada como “meta-síntese” de seu governo, pois ela representaria nada mais que modernidade e a urbanização. Podemos perceber que JK trabalhava com a “linguagem do desenvolvimento”.

Baseado nesses projetos, JK conquistou o apoio de grande parte da população.  Uma pesquisa realizada no estado da Guanabara em 1961 revelou que 80% da população pesquisada confirmaram que Juscelino realmente acelerou o desenvolvimento do Brasil[3].  O clima era de estabilidade política e grande desenvolvimento cultural:
“O país respirava cultura e era mais democrático. O Partido Comunista mesmo clandestino atuava intensamente. Com isso as greves eram atribuídas a comunistas e desordeiros.[4]

Mas será que essa política nacional-desenvolvimentista dos anos JK só trouxe benefícios para o Brasil? Realmente podemos afirmar que durante seu governo o Brasil viveu apenas Anos Dourados? Pela citação acima podemos perceber que havia oposição ao governo, mesmo ele possuindo grande índice de aprovação. O que será que provocava essa insatisfação? Esses questionamentos poderão funcionar como problemáticas para impulsionar a explicação do conteúdo.

Ao incluir a Bossa Nova em aulas sobre o governo JK pretendemos que os alunos: desenvolvam consciência critica ao se depararem com documentos históricos; analisem as principais características do governo JK, e qual sua importância para o Brasil; compreendam as características do nacional desenvolvimentismo e do Plano de Metas, e suas conseqüências para o país; entendam que havia grupos que eram contrários ao governo JK, e as causas dessa oposição.

Ao incluir fontes históricas em nossas aulas estaremos atendendo a uma exigência dos Parâmetros Curriculares Nacionais, que nos pedem para reduzir a distância entre o saber acadêmico e o saber escolar. Nossa intenção não é transformar o aluno em um “pequeno historiador”, mas usar ferramentas deste ofício que podem servir como recursos didáticos para a sala de aula.

A preocupação com a utilização de documentos é uma tendência dentro do ensino de história. Assim aponta Circe Bittencourt:

“As justificativas para a utilização de documentos nas aulas de História são várias e não muito recentes. Muitos professores que os utilizam cosideram-nos um instrumento pedagógico eficiente e insubstituível, por possibilitar o contato com o ‘real’, com as situações concretas de um passado abstrato, ou por favorecer o desenvolvimento intelectual dos alunos, em substituição de uma forma pedagógica limitada à simples acumulação de fatos e de uma história linear e global elaborada pelos manuais didáticos” [5]

Ou seja, o ensino associado à utilização de fontes históricas contribuem para colocar o aluno em contato com um passado que dependendo da forma que lhe é apresentado se torna muito distante, dissociado do tempo presente e totalmente entediante. Ajudam ainda no desenvolvimento intelectual dos alunos, uma vez que rompe com a idéia de história linear, e ajudam no desenvolvimento da criticidade e da interpretação. Podemos incluir ainda, que eles contribuem para deixar as aulas mais interessantes e prazerosas.

Para esta aula utilizaremos as músicas “Sinfonia da Alvorada” de Vinícius de Morais e Antonio Carlos Jobim, composta a pedido de Juscelino Kubitscheck para a inauguração da Brasília. Também será utilizada a música “Presidente Bossa Nova” de Juca Chaves. Um cuidado a ser tratado antes de se iniciar a aula é explicar para os alunos sobre o grau intencionalidade que existe em todas as fontes. A Sinfonia da Alvorada foi uma música encomendada pelo governo brasileiro, então seus aspectos servirão para enaltecer o presidente JK e suas realizações. Juca Chaves não estava ligado a facções políticas, portanto em sua música poderemos observar a livre opinião. Sabendo desses aspectos a interpretação das fontes no transcorrer da aula irá se tornar uma tarefa mais fácil.

A denominação “Anos Dourados” para designar a década de 1950, também deve ser comentada antes de iniciar a explicação do conteúdo, uma vez que ela será um dos principais questionamentos a serem realizados nessa aula. Cabe também, mencionar que ela era uma expressão utilizada inicialmente apenas para a cultura, mas que passou a designar a política dos anos JK, pois as propostas desse governo se relacionavam perfeitamente com o desenvolvimento cultural e intelectual do período. Uma boa forma de realizar isso é intitular a aula como “JK: Os anos dourados?”. Apresentado na forma de uma questão despertou a curiosidade para as problematizações que serão desenvolvidas no decorrer da aula.

Depois de realizar essas constatações, damos seguimento à aula, discutindo com os alunos sobre a forma como JK era visto pelo povo brasileiro, comparando a música “Presidente Bossa Nova” com a segunda parte da “Sinfonia da Alvorada”, intitulada “O homem”, que não é nada mais que uma analogia ao próprio Juscelino:

Presidente Bossa Nova
Juca Chaves
Bossa nova mesmo é ser presidente
Desta terra descoberta por Cabral
Para tanto basta ser tão simplesmente
Simpático, risonho, original.

Depois desfrutar da maravilha
De ser o presidente do Brasil,
Voar da Velhacap pra Brasília,
Ver a alvorada e voar de volta ao Rio.

Voar, voar, voar, voar,
Voar, voar pra bem distante, a
Té Versalhes onde duas mineirinhas valsinhas
Dançam como debutante, interessante!

Mandar parente a jato pro dentista,
Almoçar com tenista campeão,
Também poder ser um bom artista exclusivista
Tomando com Dilermando umas aulinhas de violão.

Isto é viver como se aprova,
É ser um presidente bossa nova.
Bossa nova, muito nova,
Nova mesmo, ultra nova

Sinfonia da Alvorada
Vinícius de Morais e Antonio Carlos Jobim
Parte II: O homem

Sim, era o Homem,
Era finalmente, e definitivamente, o Homem.
Viera para ficar. Tinha nos olhos
A força de um propósito: permanecer, vencer as solidões
E os horizontes, desbravar e criar, fundar
E erguer. Suas mãos
Já não traziam outras armas
Que as do trabalho em paz. Sim,
Era finalmente o Homem: o Fundador. Trazia no rosto
A antiga determinação dos bandeirantes,
Mas já não eram o ouro e os diamantes o objeto
De sua cobiça. Olhou tranqüilo o sol
Crepuscular, a iluminar em sua fuga para a noite
Os soturnos monstros e feras do poente.
Depois mirou as estrelas, a luzirem
Na imensa abóbada suspensa
Pelas invisíveis colunas da treva.
Sim, era o Homem...
Vinha de longe, através de muitas solidões,
Lenta, penosamente. Sofria ainda da penúria
Dos caminhos, da dolência dos desertos,
Do cansaço das matas enredadas
A se entredevorarem na luta subterrânea
De suas raízes gigantescas e no abraço uníssono
De seus ramos. Mas agora
Viera para ficar. Seus pés plantaram-se
Na terra vermelha do altiplano. Seu olhar
Descortinou as grandes extensões sem mágoa
No círculo infinito do horizonte. Seu peito
Encheu-se do ar puro do cerrado. Sim, ele plantaria
No deserto uma cidade muita branca e muito pura...

O primeiro passo é fazê-los ouvir as canções e acompanhar as suas letras. Depois partimos para os questionamentos: é possível afirmar que as músicas representam o presidente da mesma forma? Qual é a imagem do presidente que as canções constroem?A partir das respostas dos alunos partimos a explicação. Em “Presidente Bossa Nova”, JK é representado como alguém descompromissado, alheio aos verdadeiros interesses do Brasil. Associado à Bossa Nova, JK representaria alguém superficial, que pretendia ser muito mais do que realmente era. Esta era uma das principais críticas a este gênero musical, considerado por muitos artistas como vazio, sem nenhuma função social. Além disso, Juscelino estaria mais empolgado com o fato de ser presidente, do que em fazer verdadeiras reformas no Brasil.  
A seguir partiremos para as constatações realizadas a partir da “Sinfonia da Alvorada”. 

Nessa música a visão é praticamente oposta. O “homem”, que como já foi explicado acima faz uma alusão direta à figura de JK onde ele é visto como um desbravador, aquele capaz de vencer a natureza, e erguer do nada uma cidade em meio ao planalto central do Brasil. Alguém empenhado e compromissado, disposto a levar o Brasil “rumo ao futuro”.

Depois de realizada estas explicações uma boa questão a ser levantada para os alunos é: “Qual eles acreditam que prevaleceu no imaginário da população brasileira? A de um presidente empenhado com os anseios da nação, ou a de alguém irresponsável, apenas deslumbrado com o seu cargo?”. Independente de respostas certas ou erradas, essa discussão deverá ser retomada no final da explicação, quando os alunos tiverem uma visão geral do conteúdo.

Agora é a hora de explicarmos sobre o Plano de Metas, o processo de modernização do Brasil operado durante o governo JK (instalação de indústrias de bens duráveis, construção de hidrelétricas, abertura de rodovias...), a política industrial baseada no nacional-desenvolvimentismo, o crescimento do PIB brasileiro e a fase de estabilidade e liberdade política, o ideal de modernização dos “50 anos em 5”. É claro, deve-se incluir aqui o desenvolvimento cultural.

A construção de Brasília também deve ser ressaltada como uma das principais realizações do governo JK, como o símbolo da integração nacional. Não podemos esquecer de mencionar a importância dos “candangos” como seus construtores. Aqui podemos utilizar mais uma vez a “Sinfonia da Alvorada”, que em sua terceira parte da chegada desses trabalhadores a região:

Sinfonia da Alvorada
Vinícius de Morais e Antonio Carlos Jobim
Parte III: A Chegada dos candangos

Tratava-se agora de construir: e construir um ritmo novo.Para tanto, era necessário convocar todas as forças vivas da Nação, todos os homens que, com vontade de trabalhar e confiança no futuro, pudessem erguer, num tempo novo, um novo Tempo.
E, a grande convocação que conclamava o povo para a gigantesca tarefa começaram a chegar de todos os cantos da imensa pátria os trabalhadores: os homens simples e quietos, com pés de raiz, rostos de couro e mãos de pedra, e que, no calcanho, em carro de boi, em lombo de burro, em paus-de-arara, por todas as formas possíveis e imagináveis, começaram a chegar de todos os lados da imensa pátria, sobretudo do Norte; forarn chegando do Grande Norte, do Meio Norte e do Nordeste, em sua simples e áspera doçura; foram chegando em grandes levas do Grande Leste, da Zona da Mata, do Centro-Oeste e do Grande Sul; foram chegando em sua mudez cheia de esperança, muitas vezes deixando para trás mulheres e filhos a aguardar suas promessas de melhores dias; foram chegando de tantos povoados, tantas cidades cujos nomes pareciam cantar saudades aos seus ouvidos, dentro dos antigos ritmos da imensa pátria...

Dois locutores alternados
– Boa Viagem! Boca do Acre! Água Branca! Vargem Alta! Amargosa! Xique-Xique! Cruz das Almas! Areia Branca! Limoeiro! Afogados! Morenos! Angelim! Tamboril! Palmares! Taperoá! Triunfo! Aurora! Campanário! Águas Belas! Passagem Franca! Bom Conselho! Brumado! Pedra Azul! Diamantina! Capelinha! Capão Bonito! Campinas! Canoinhas! Porto Belo! Passo Fundo!
Locutor  1
– Cruz Alta...
Locutor  2
– Que foram chegando de todos os lados da imensa pátria...
Locutor  1
– Para construir uma cidade branca e pura...
Locutor  2
– Uma cidade de homens felizes...

Uma questão a ser levantada é a seguinte: “como são representados esses trabalhadores nesse trecho da música?”. Os candangos são vistos aqui de forma idealizada, como os bravos brasileiros, que deixavam suas terras, principalmente na porção norte do Brasil, e se dirigem ao Planalto Central, para construir não apenas a cidade, mas um “novo tempo”, “num ritmo novo”.  A idealização do progresso e do futuro é algo que também pode ser ressaltado, tanto nesse trecho como no anterior citado nesse artigo. A observação necessária em ser aqui feita é a seguinte: essa música foi encomendada pelo governo, ela nos transparece a imagem que o governo fazia de si mesmo, ou seja, ele seria aquele que levaria o Brasil rumo ao futuro.

As razões dos candangos abandonarem suas terras e se dirigirem para o centro-oeste não são especificados na música. Se elas fossem incluídas na canção revelariam a incapacidade do governo em solucionar os problemas econômicos e sociais que afligiam as regiões norte e nordeste do país. O último verso (“-Uma cidade de homens felizes...”) também abre espaço para questões. Será mesmo Brasília uma cidade construída sobre a felicidade dos homens? Será que os construtores de Brasília encontraram espaço na cidade após a sua inauguração em 21 de abril de 1961?

A partir dessas questões partiremos para os pontos negativos do governo JK, deixados propositalmente para o fim dessa aula. Além da questão dos candangos já discutidas acima, cabe se falar sobre o aumento da inflação, o crescimento da divida externa, da corrupção e dos muitos gastos com a construção de Brasília. A “política entreguista”, como foi chamada pelos opositores de JK, também deverá ser aqui incluída, pois ela promoveu a desnacionalização de indústrias brasileiras.

Encerradas essas discussões voltaremos para o inicio dessa proposta de aula, quando questionamos sobre qual imagem de JK prevaleceria no imaginário dos brasileiros. E a partir do conhecimento que os alunos adquiriram no decorrer da explicação eles serão capazes de responder a essa questão, baseada em suas próprias constatações. A partir destas é possível discutir o título da aula: “JK: Os anos dourados?”.

Primeiramente devemos perguntar aos alunos se agora eles entendem a razão do título vir na forma de uma pergunta. Já foi mencionado neste artigo que o termo Anos Dourados pertencia a inicialmente ao desenvolvimento cultural, e passou a designar a política JK, pois esta também representava um grande ideário de modernização. Analisando aqui os aspectos positivos e negativos acredito que os anos JK, apesar de todos os seus problemas e conseqüências, contribuíram para o desenvolvimento do Brasil. Mas isto não foi produto exclusivo de Juscelino, uma vez que este foi iniciado durante a Era Vargas (1930-1945).

O país deixou pouco a pouco de ser um mero exportador de gêneros primários, a indústria ganhava a cada dia mais espaço dentro da economia nacional. Necessitávamos de uma série de reformas se realmente queríamos a modernização, e o Plano de Metas implementado por JK atendia exatamente a esses anseios, e podemos afirmar que o presidente, pelo menos nos setor da industrial e no que a eles se relacionava, realmente ajudou no desenvolvimento Brasil:

“De fato, o êxito na implementação do Plano de Metas foi inegável. As metas de energia e transporte, investimentos em infra-estrutura, considerados indispensáveis ao aprofundamento da industrialização alcançaram resultados notáveis”.[6]

Mesmo analisando esses aspectos benéficos, utilizar o termo Anos Dourados para esse período pode produzir uma visão idealizada. Recorrendo a ele o professor corre o risco de reproduzir no imaginário de seus alunos apenas os bons aspectos do governo JK. As medidas colocadas em prática por ele sem duvida alguma contribuíram para a modernização do país, mas trouxeram juntamente consigo consequências, que afetaram de forma negativa a política brasileira nas décadas posteriores.                                                                                                                                                                                        

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2004.

BORGES, Adriana Evaristo Borges. República bossa nova: o encontro entre a música e a política (1956-1960).

CARMO, Paulo Sérgio do. Culturas da Rebeldia: a juventude em questão. São Paulo: Editora Senac, 2000.

MOREIRA, Vânia Maria Losada. Os anos JK: industrialização e modelo oligárquico de desenvolvimento rural. In: FERREIRA, Jorge. DELGADO, Lucília de Almeida Neves (Org.). O Brasil Republicano: o tempo da experiência democrática. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.


[1] BORGES, Adriana Evaristo Borges. Republica bossa nova: o encontro entre a música e a política (1956-1960). Artigo cientifico.
[2]MOREIRA, Vânia Maria Losada. Os anos JK: industrialização e modelo oligárquico de desenvolvimento rural. In: FERREIRA, Jorge. DELGADO, Lucília de Almeida Neves (Org.). O Brasil Republicano: o tempo da experiência democrática. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.
[3] Idem.
[4] CARMO, Paulo Sérgio do. Culturas da Rebeldia: a juventude em questão. São Paulo: Editora Senac, 2000.
[5] BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2004.
[6] MOREIRA, Vânia Maria Losada. Os anos JK: industrialização e modelo oligárquico de desenvolvimento rural. In: FERREIRA, Jorge. DELGADO, Lucília de Almeida Neves (Org.). O Brasil Republicano: o tempo da experiência democrática. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.


* Artigo produzido para a disciplina de Estágio Supervisionado sob a orientação da professora Ana Eugênia Nunes de Andrade.